quinta-feira, 29 de maio de 2008

Policial “repórter” não é o mesmo que repórter policial

Por Felipe Shikama

O perfil de Sorocaba vem mudando substancialmente nos últimos anos. E graças a essas mudanças, já pode ser considerada, tendo por base diversos indicadores, uma cidade grande. Para se ter uma idéia desse crescimento, basta lembrar que Sorocaba contará com um orçamento de R$ 1 bi no próximo ano, maior do que a receita de muitas capitais brasileiras.

Esse crescimento tem se refletido no jornalismo local. É crescente o número de emissoras de TV e rádio difundidas para o mundo todo, por meio da internet, a partir de Sorocaba. Revistas dirigidas a consumidores de classe média, algumas delas segmentadas, também têm ocupado cada vez mais espaço. Tudo isso sem falar da importante chegada do jornal Bom Dia.

Apesar do avanço na quantidade de espaços para a informação, algumas emissoras de rádio, sobretudo as mais tradicionais, insistem em repetir uma forma ultrapassada e até mesmo perigosa de se fazer jornalismo policial. Talvez pela mão-de-obra reduzida (algumas emissoras contam com apenas três profissionais), talvez pela “tirania do tempo”, angústia de qualquer jornalista, ou mesmo por pura preguiça ou conveniência, as notícias policiais são elaboradas de forma “oficialesca” e amadora.

É que ao invés do repórter se deslocar às delegacias e desempenhar todo processo de construção da notícia (da captação até a edição), abre-se o microfone ao vivo para que um oficial Militar, geralmente encarregado de fazer as relações públicas da Coorporação, “informe” os ouvintes sobre as notícias do plantão policial da cidade.

A leitura integral de uma série de Boletins de Ocorrência, além de soar chata ao ouvinte, é, no mínimo, desleal ao compromisso ético que norteia as regras do bom jornalismo. Em circunstâncias mais críticas, como um eventual tiroteio entre polícia e bandido, a única versão que tem a chance de se tornar pública, isto é, virar notícia, é a da própria polícia. Ao final de sua “reportagem”, antes da assinatura do soldado, cabo ou capitão fulano de tal, o ouvinte ainda tem de se contentar e dizer “Amém” após a leitura de algum versículo da Bíblia.

Salvo raras exceções, a opção das emissoras de rádio em substituir o repórter policial por um policial “repórter” tem como explicação o fato de ainda se sentirem amarradas pelo dilema de “serem veículos de uma cidade pequena” — embora em alguns casos elas sejam franqueadas à grandes redes nacionais. E assim se diminuem. E pior, diminuem a qualidade do jornalismo e, por tabela, o respeito para com seus ouvintes.

Produção local... mas cadê os arquivos?

Por Felipe Shikama

O curso de Jornalismo da Universidade de Sorocaba (Uniso) iniciou em 2007 uma proposta pioneira no país. Para a obtenção do diploma, além da obrigatoriedade do projeto experimental - isto é, um produto jornalístico como video-documentário, revista, jornal, programa de rádio etc - o curso passa a exigir uma pesquisa científica capaz de relacionar o tema escolhido pelo aluno à produção de conhecimento científico.

Maria Immacolata Vassalo Lopes, coordenadora da Escola de Comunicação e Arte da Universidade de São Paulo (ECA-USP), é uma das defensoras da proposta. "A 'tese' de graduação contrubui para naturalizar o conhecimento científico na graduação", disse ela, durante abertura do 2º Endecom.

Conhecimento regional e descaso "histórico"
Outra vantagem, a partir da proposta, é a produção de conhecimento enfocando, prioritariamente, o jornalismo regional. Que vai permitir finalmente que o curso de Jornalismo cumpra sua premissa institucional - sendo uma universidade comunitária, cabe a ela devolver o conhecimento científico à própria comunidade.

No entanto, a lamentável deficiência de alguns jornais sorocabanos tem prejudicado a realização de estudos empíricos. É que os veículos, salvo o Cruzeiro do Sul, não conservam suas publicações em arquivos públicos para consultas.

A alternativa para os estudantes é buscar exaustivamente o conteúdo desejado em bibliotecas, ou outras instituições que disponibilizam este serviço negligenciado pelos próprios jornais. Uma solução é o Gabinete de Leitura, que apesar de cobrar uma taxa para consulta, tem salvado a lavoura desses estudantes.

Indispensável perguntar: como nossos jornais, protagonistas da história de nossa cidade não conservam a sua própria história?

Veja e o antijornalismo

Por João José de Oliveira Negrão

O jornalista Luís Nassif criou um enorme burburinho nos meios jornalísticos brasileiros. Em seu blog, publicou – até agora – 21 reportagens sobre exemplos de antijornalismo da Veja, a revista semanal de informação, publicada pela editora Abril, que tem a maior tiragem no Brasil e é uma das que circula com o maior número de exemplares no mundo.

Em diferentes situações, Nassif mostra como a revista foi usada como arma em disputas empresariais, como na matéria “A guerra das cervejas”, no apoio aos interesses do discutido banqueiro Daniel Dantas ou em “O caso COC”, quando as críticas acerbas feitas ao caráter “subversivo” das apostilas produzidas por aquele sistema de ensino não contaram aos leitores que, pela aquisição relativamente recente de duas editoras, a Abril era concorrente direta da COC no rendoso segmento de apostilas para os cursos fundamental e médio.

Tanto a editora Abril quanto jornalistas citados abriram processos contra Nassif. De outro lado, muitos daqueles que concordam que a Veja pratica antijornalismo provocaram um fenômeno chamado google bomb: a reprodução dos textos e/ou a geração de links para o blog do jornalista.
Com isso, criou-se uma situação nova: um grande conglomerado editorial, que publica a revista brasileira com maior tiragem, entre dezenas de outros títulos, com braços também no mercado de livros, contra um jornalista que, apesar de famoso, conta com um blog e uma agência de notícias e artigos, a Dinheiro Vivo. É Davi contra Golias, mas a arena é nova e nada garante que, desta vez – como costuma acontecer – o mais forte vai levar a melhor. Até porque Nassif é um jornalista respeitado. Já a Veja e seus epígonos...

Jornalismo e visão de mundo

Por João José Negrão
A maior parte do que conhecemos sobre o mundo vem da mídia; apenas uma parcela bem pequena é dada diretamente pelos nossos sentidos. E também muito de nossa visão sobre a sociedade, sobre o homem e de como agir. O jornalismo não transmite apenas “fatos”, mas também julgamentos, valores e interpretações.

A realidade que nos cerca não existe simplesmente como um dado, mas é também construída pela nossa maneira de vê-la. Mesmo a realidade física não é apenas apreendida pela nossa visão, tato, audição, mas reconstruída em nossas representações, quando dela falamos ou escrevemos.
As representações que temos do mundo social são ativas: nós agimos no mundo de acordo com o que sabemos dele. A conservação ou a transformação da sociedade dependem, em grande parte, dessas representações.

O jornalismo tem três etapas marcantes: a coleta de informações; a seleção e hierarquização das notícias e a distribuição dessas informações para o grande público. É na seleção que está o ponto central: o que não for selecionado e, portanto, não virar notícia, não vai ser do conhecimento da maior parte das pessoas.

A mídia ainda estabelece a agenda pública de discussões (agenda-setting) e exerce a função de “enquadramento” (framing), pela qual as questões são colocadas dentro de determinados esquemas interpretativos.

Por isso, é essencial para a democracia que uma pluralidade de pontos de vista esteja presente na mídia. A tendência do mercado, no entanto, tem sido a de concentração da propriedade por parte dos grandes conglomerados midiáticos. A sociedade e os estados democráticos, mais cedo ou mais tarde, vão ter de enfrentar este ponto de tensionamento.

quarta-feira, 28 de maio de 2008

O jornalista e suas fontes

Por João José Negrão

O jornalismo contemporâneo sustenta-se na relação do jornalista com suas fontes: uma confiança “desconfiada” deve estabelecer-se entre o repórter e a pessoa ou documento escrito de onde ele capta a informação. O Novo Manual de Redação da Folha de S. Paulo chega a classificar quatro tipos de fontes.

A fonte tipo zero é escrita e com tradição de exatidão; a tipo um “é a mais confiável nos casos em que a fonte é uma pessoa”; a tipo dois “tem todos os atributos da fonte um, menos o histórico de confiabilidade”; e a tipo três é “a de menor confiabilidade. É bem informada, mas tem interesses (políticos, econômicos etc.) que tornam suas informações nitidamente menos confiáveis”.
Para a Folha, informações de fonte deste último tipo devem funcionar como ponto de partida para o trabalho ou, no máximo, ser publicadas em colunas de bastidores, ressaltando que se trata de informação não confirmada.

Mas independente da adoção desta classificação, uma das regras fundamentais, do ponto de vista ético, é a proteção das fontes: o jornalista nunca deve expô-las e tem o dever de protegê-las mesmo em caso de processo legal. Ao não agir assim, o repórter quebra um contrato tácito que existe entre ele e a fonte. Este acordo é o que tem permitido, desde o início do século XX – quando as fontes passam a ganhar importância central no jornalismo ocidental –, que inúmeras situações que, do ponto de vista de governos, instituições ou empresas privadas, deveriam ser mantidas em segredo, tornem-se públicas e desveladas aos cidadãos. Quebrá-lo pode significar, no mínimo, obstruir uma fonte significativa; no ponto mais extremo, retirar do jornalismo a sua capacidade de contribuir com a transparência dos negócios públicos e privados.

Caso Isabella: aspectos jornalísticos que vão além da brutalidade

Por Felipe Shikama

Passadas algumas semanas do aparente final da novela midiática em torno do “Caso Isabella”, é possível avançarmos numa reflexão que, ao contrário do tom especulatório e sensacionalista dado por alguns veículos, possa contribuir para o avanço do debate dos efeitos sociais provocados pelo jornalismo e sua postura ética.

Neste artigo, me limitarei a traçar alguns indícios de resposta capaz de responder a seguinte questão: por que motivo um acontecimento como o Caso Isabela atrai tanto a atenção da mídia e/ou da sociedade?

Abstenho-me em esboçar uma explicação “cientificamente sociológica”, mas sob a perspectiva do próprio jornalismo o fato de estar em jogo, não somente a vida de uma garota de cinco anos, e sim a filha pequena e indefesa de um homem de classe média apontado, desde o início, como principal suspeito já responde em grande parte a pergunta sugerida.

Mas além deste fato, outros elementos garantem a sustentação do acontecimento, isto é, a construção de novas notícias a partir do acontecimento inicial. Um dos elementos que remete à exaustiva dimensão da novela, que além do próprio roteiro cercado de mistério (importante valor-notícia), tem a ver com os personagens da tragédia . Promotores, advogados, peritos, ONGs e até artistas e padres pop. Neste momento também aparecem especialistas de todo o tipo. Quaisquer declarações são tomadas como verdadeiras e, logo são notícias. As não declarações, omissões e desmentidos, também.

Por fim, não menos importante, um último aspecto jornalístico que contribui, a meu ver de forma determinante, para a magnitude de um caso tão particular como o da menina Isabella está relacionado com a forma como a grande mídia brasileira está estruturada. Isso porque o caso aconteceu na capital paulista, local onde se concentra grande número de jornalistas por metro quadrado. Basta se lembrar da quantidade de repórteres, fotógrafos e cinegrafistas acampados, em vigília, na porta da delegacia...

Se caso semelhante ocorresse noutra cidade – nem tão distante de São Paulo como, por exemplo, Votorantim, onde no final em novembro de 2007 foi palco de uma chacina que vitimou cinco jovens, — talvez o valor-notícia da brutalidade de uma garota arremessada pela janela de um prédio por quem quer que seja não teria tido a mesma dimensão.