terça-feira, 27 de abril de 2010

Revolução dos Cravos

Por João José de Oliveira Negrão

Ontem, 25 de abril, comemoraram-se os 36 anos da Revolução dos Cravos. Neste dia, em 1974, as rádios portuguesas tocaram, ao mesmo tempo, a canção “Grândola, vila morena”, de Zeca Afonso. Era dada a senha para o início do movimento que libertou Portugal da longa ditadura salazarista. Antônio Salazar governou Portugal com mão de ferro de 1933 a 1968. Mesmo após seu afastamento por doença, o salazarismo se manteve, com Marcelo Caetano, até 1974.

Salazar foi um da os últimos ditadores da velha Europa. Contemporâneo de Francisco Franco, o vizinho ditador espanhol – ambos marcados pelo anticomunismo, ideologia na qual plasmavam qualquer política democrática e popular --, teve, por isso, apoio de diferentes forças sociais, entre as quais os setores mais conservadores, integristas e de extrema-direita da Igreja Católica, como o Opus Dei e os Cavaleiros do Templo da Ordem de Cristo. Até o fim, a ditadura portuguesa insistia em manter a política colonial e a defendia militarmente – com altíssimos custos para o país – contra as populações que lutavam pela libertação nacional de então colônias, como Angola e Moçambique, entre outras.

Portugal, neste período, configurou-se como o mais pobre e mais atrasado país da Europa. O regime salazarista manteve uma política de condicionamento industrial que protegia certos monopólios e certos grupos industriais e financeiros. A pobreza e a falta de liberdade tiveram por consequência um significativo acréscimo da emigração: muitos abandonaram o país para trabalhar ou estudar.

O fim da ditadura, depois de uma certa turbulência, trouxe a Portugal um regime democrático, com eleições livres, pluralidade partidária e retomada da produção cultural.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em ciências sociais e professor no Ceusnp.
(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 26/04/2010) 

terça-feira, 20 de abril de 2010

Mutilação feminina

Por João José de Oliveira Negrão

O Estadão de ontem trouxe uma matéria sobre um assunto que deve preocupar a todos que veem os direitos humanos para além das fronteiras: a mutilação de meninas e jovens mulheres – em diferentes culturas e religiões –, que têm seu clitóris extirpado, na maior parte das vezes em “cirurgias” sem qualquer esterilização, para impedir o orgasmo e garantir a “fidelidade” feminina e a “tradição” de casamentos arranjados.

Considerada crime e combatida pela Organização das Nações Unidas, a excisão ainda afeta cerca de três milhões de mulheres por ano na África, no Oriente Médio, no sul da Ásia e até mesmo na Europa. E muitos, baseados num multiculturalismo de fachada – incapaz de perceber o quanto há de universalidade no gênero humano –, justificam ou aceitam a prática como um “dado cultural”, que até pode ser combatida, mas com “cautela”, para não parecer “imposição de uma cultura sobre a outra”.

No entanto, segundo a socióloga Isabelle Gillette-Faye, citada pelo Estadão, “a excisão é praticada por católicos, judeus, muçulmanos, protestantes ou animistas. Não há diferença. E nem mesmo o Islã a impõe como lei”. Os próprios EUA já praticaram abertamente a excisão até os anos 30.

Como a pedofilia, a extirpação do clitórias tem de ser combatida em todo o planeta. Para além das diferenças culturais e religiosas, há muitos pontos que nos unificam enquanto gênero. Um deles, sem dúvida -- construído historicamente --, é a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pedofilia é crime e extirpação do clitóris é crime. Ambos devem ser punidos pelo Estado e não por qualquer outra instituição “privada”.
(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 19/04/2010)

Vitória da democracia

Por João José de Oliveira Negrão

Dilma vai vencer? Será que vai dar Serra? Marina Silva vai surpreender e atropelar? Se Ciro sair candidato poderá ultrapassar seus concorrentes? O respeitável Plínio de Arruda Sampaio será a grande surpresa pela esquerda? Todas estas conjecturas estão ganhando corpo na política nacional. Os partidos e coligações se preparam para o embate, para tentar convencer o eleitor sobre a superioridade de seus projetos e propostas.

Mas já há um vitorioso, antes mesmo de as urnas serem abertas em outubro. O sistema democrático está instalado e vigoroso no Brasil. Quem assumir a presidência em 2011 será o sexto mandatário (ou mandatária) eleito, pelas urnas, em sequência, dentro de regras claras, com plena liberdade partidária. Ali, estarão se completando 22 anos ininterruptos de eleições presidenciais diretas e de passagem, sem traumas, da faixa de presidente da República.

Vai ficando para trás a tradição golpista da história política brasileira. Carlos Lacerda, que vivia reivindicando golpes contra Getúlio Vargas (quando eleito), contra Juscelino Kubitschek, contra João Goulart, não tem sucessores públicos – embora algumas movimentações contemporâneas, pouco transparentes, lembrem um lacerdismo fora de época.

O próximo presidente ou presidenta receberá a faixa presidencial de Lula. E passados quatro ou oito anos, a entregará para seu sucessor ou sucessora, escolhido pelas urnas. Este é um valor universal do qual não podemos abrir mão. Nossa história não pode mais admitir aventuras golpistas: quem ganhar leva; quem perder, se prepara para a próxima disputa. Assim é a democracia.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 05/04/2010) 

segunda-feira, 5 de abril de 2010

Intolerância religiosa

Por João José de Oliveira Negrão

O Santos vem apresentando um futebol de encher os olhos. Apesar de sampaulino, tenho comentado que temo que, caso o Santos não seja campeão paulista, volte aquela lenga-lenga do “joga bonito mas não ganha nada”, em defesa da “objetividade” dos brucutus. Mas a molecada pisou feio na bola, ao se recusar a descer do ônibus para uma atividade beneficente no Lar Espírita Mensageiros da Luz.

É sinal de intolerância religiosa, pois o motivo alegado para a falta de educação foi justamente o fato de a instituição ser espírita. Não é a primeira vez que o clube santista enfrenta problemas deste tipo. No ano passado, já houve algum tipo de desavença envolvendo o técnico Vanderlei Luxemburgo e um grupo de jogadores liderados pelo atleta Roberto Brum, evangélico radical que, em programas esportivos, chegou a ameaçar os que o criticavam com a “força” do “seu” Deus. E este já não é tão moleque, tem 32 anos.

Outro que se recusou e também não tem a desculpa da juventude é o goleiro Fábio Costa. Foi feio. Tão feio como as saídas do gol que ele costuma dar contra seus colegas de profissão. Robinho, ex-garoto, também não desceu, frustrando os atendidos pelos Mensageiros da Luz.

Manifestações de intolerância contra outras religiões – mais fortes ainda contra os que não professam nenhuma ou são ateus – precisam ser condenadas assim que apareçam. O ovo da serpente sempre começa a se manifestar como ações isoladas, aparentemente ridículas. Mas se ganha corpo, o custo social é alto.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp
(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 05/04/2010)

sexta-feira, 2 de abril de 2010

Resposta a Pedro Guerra e Wilton Lima

Por João José de Oliveira Negrão

O artigo Notícia e Propaganda (abaixo) suscitou respostas dos jornalistas Wilton Lima e Pedro Guerra, publicadas no Bom Dia Sorocaba de 01/04/2010. No dia seguinte (02/04), saiu publicada minha réplica a ambos, que é a seguinte:

O Wilton Lima confunde alhos com bugalhos. Meus textos, publicados às segundas na coluna Formador de Opinião, são artigos opinativos, assinados e devidamente identificados. O Bom Dia não se responsabiliza pelas opiniões ali emitidas – nem pelas minhas, nem pelas de outras pessoas que dividem o mesmo espaço. E claramente, pela diagramação e uso de vinhetas, ele não se confunde com texto informativo, com notícia. Tenho, como sabem todos, uma determinada visão de mundo, vinculada ao socialismo democrático. E sempre a expressei. Se nem todos agem assim, por desconhecimento ou conveniência, o problema não é meu. Até por isso o Editor-Chefe Djalma Benette me convidou a ser um dos ocupantes da coluna, para caracterizar sua pluralidade.

Já o Pedro Guerra reduz minha crítica à não separação clara entre comercial e editorial a uma mera disputa eleitoral. Citei os dois radialistas e destaquei meu respeito a ambos, não só profissional mas pessoal. Justamente para fugir da futrica e do disse-me-disse – tão comuns a certas colunas sociais e políticas – é que os nomeei. A crítica foi a um modo de entender o jornalismo, longe de qualquer pinimba pessoal. E para ampliar o debate, afirmo que a prática de "testemunhais" de apresentadores, locutores e repórteres de rádio e TV deve ser repensada. A tradicional separação Igreja x Estado, nos veículos de comunicação, deve ser reforçada.