segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Ressentidos

Por João José de Oliveira Negrão

Passadas as eleições presidenciais, manda a boa tradição democrática que forças de oposição e de situação absorvam a decisão popular e se preparem para um próximo período. Setores ou figuras públicas que apoiaram o ex-candidato José Serra, no entanto, não têm agido assim. E pedem publicamente a intervenção das Forças Armadas no processo político, como se não houvesse na memória histórica do país o significado da última vez que elas fizeram isso.

O marechal golpista e comandante do primeiro governo da ditadura militar, Castello Branco, falava das “cassandras que iam aos bivaques bulir com militares”. É isso que faz o ator Carlos Vereza, que já interpretou no cinema um perseguido e prisioneiro de uma das ditaduras brasileiras, o escritor Graciliano Ramos, e que viu de perto a ação dos golpistas contra Jango.

Vereza criou um blog, o carlosverezablog.blogspot.com. Vejam o primeiro parágrafo de um texto, postado no dia 24/11, quando Dilma já tinha ganhado as eleições: “Cadê as Forças Armadas ? A constituição está sendo continuamente desrespeitada por Lula e seus quadrilheiros; o governo flerta acintosamente com os piores ditadores do planeta; formata-se às claras, um regime comuno-sindicalista, com ameaças nada veladas à liberdade de expressão; mensaleiros são absolvidos por juizes venais; o MST, promove a invasão de propriedades privadas, e o que vemos, estarrecidos, é o absoluto silêncio dos militares, que têm por dever a preservação das instituições democráticas!”

O velho ator clama abertamente por um golpe contra a democracia. A arenga do “regime comuno-sindicalista” é a repetição das “acusações” da direita golpista contra Jango. É triste, mas felizmente vivemos outros tempos e a pregação de Vereza só ressoa em pequenos círculos protofascistas e inconformados com o resultado das urnas.

Outro que dá mostras de ressentimento com a derrota do candidato abertamente apoiado por ele é o apresentador Marcelo Tas, que também flerta com o golpismo, de maneira aparentemente engraçadinha. No twitter, ele pediu que, depois do Rio, o Bope, o Exército e a Polícia “limpassem o Congresso Nacional”. Em 64, também iam fazer isso; tivemos 21 anos de ditadura sanguinária.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 29-11-2010)

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Enfrentar a intolerância

Por João José de Oliveira Negrão

A cena é assustadora. Dois pequenos grupos de jovens caminham em sentido contrário na Avenida Paulista, centro financeiro da maior cidade da América do Sul e uma das maiores do mundo. De repente, do nada, vê-se um dos garotos agredir a outro por duas vezes com uma lâmpada de luz fria. Imediatamente me lembro das recomendações de minha mãe, que alertava para o cuidado com tais lâmpadas, já que, em caso de acidentes com cortes, “a cicatriz ficava muito feia, pois não fechava direito”. Será que ainda é assim?

Ainda naquela noite, o grupo composto por jovens de classe média, sem problemas financeiros e estudantes de escolas privadas – embora já colecionassem expulsões em algumas delas – teria agredido outras três pessoas. O motivo das agressões foi a suposta homossexualidade das vítimas. Na mesma semana, um sargento do Exército brasileiro, no Rio de Janeiro, baleou na barriga um outro jovem, pelo mesmo motivo.

São sinais preocupantes de intolerância, que precisa ser combatida sem tréguas. Em artigos das semanas passada e retrasada, tratei aqui do preconceito contra nordestinos, negros e indígenas que aflorou com o resultado das eleições presidenciais. Embora a onda tenha se originado nas redes sociais, não ficou restrita a elas: artigos publicados na Folha de S. Paulo, pelo jornalista Leandro Narlochi e pela professora de Direito da USP, Janaína Paschoal, botaram mais lenha na fogueira e deram ao preconceito explícito um certo “verniz intelectual”.

Instituições sociais importantes e comprometidas com a democracia, como os sindicatos, universidades, OAB, entre outras, precisam ajudar a enfrentar o ovo da serpente. Sugiro que, para o ano que vem, organizemos debates, palestras e seminários com o objetivo específico de discutir e combater todas as formas de preconceitos. Desde já me coloco à disposição. Se ficarmos quietos, fazendo de conta que é um problema menor, localizado, a intolerância se alastrará. Depois, talvez seja tarde.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 22-11-2010)

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Vítimas, não culpados

Por João José de Oliveira Negrão


O preconceito contra nordestinos, negros e indígenas, “culpabilizados” pela vitória de Dilma Rousseff na eleição presidencial – e que levou a OAB-PE a representar contra a estudante de Direito Mayara Petruso, que teria dado início à onda xenófoba --, continua repercutindo.

 

Na semana que passou, dois novos artigos publicados pela Folha de S. Paulo puseram lenha na fogueira. O primeiro, do jornalista Leandro Narloch – "sim, eu tenho preconceito" – no qual o autor desfila uma série de, digamos, argumentos, em síntese, culpa as vítimas pela pobreza e pela falta de estudos. Ao lê-lo, imediatamente me vi remetido à releitura de Eichmann em Jerusalém: um relato sobre a banalidade do mal. O livro é de Hannah Arendt, de 1963. Tem edição recente e mostra a necessidade de lutar por valores humanistas em tempos sombrios. E que fique claro: NÃO é isto que faz Narloch, ao se vangloriar da obtusidade.


O segundo saiu da lavra da professora de Direito da USP, Janaína Paschoal. Em defesa da estudante Mayara, Janaína utiliza-se de um surrado recurso retórico: começa lembrando que é “neta de pernambucanos”. Na sequência, conforme escreveu a também professora de Sociologia da USP, Heloísa Fernandes, parte para a lógica da inversão: “por ela, não apenas não somos racistas como tudo que acontece é culpa da vítima. Se não fossem os negros, nordestinos, pobres, prostitutas, homossexuais, se Lula não fosse presidente, a estudante não teria cometido o despautério de pedir o assassinato de ninguém e tampouco teria sido demonizada”.

Narloch e Janaína, intelectuais, com formação de primeira linha, demonstram que a educação formal não é garantia absoluta contra o preconceito. O ovo da serpente, tirado do ninho pela campanha de José Serra ao abrir espaços para os fundamentalismos, começa a estalar. Só a retomada da hegemonia de valores democráticos, republicanos e progressistas – o que não significa concordância ou oposição ao governo eleito – poderá livrar o país de um retrocesso que insiste em retornar.

João José de Oliveira Negrão e jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 15/11/2010)

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Preconceito e ódio

Por João José de Oliveira Negrão

O preconceito descarado, xenófobo mesmo, saiu das profundezas e, sem a vergonha com que se manifestava à boca pequena, ganhou o espaço público, em especial pelas redes sociais da internet. Nordestinos, negros, indígenas foram acusados de “culpa” pela eleição da presidenta Dilma Rousseff. E pouco adiantaram as confirmações matemáticas de que mesmo que se só se apurassem votos no Sul e Sudeste, a petista seria eleita com 29,7 milhões de votos contra os 29,4 milhões dados a Serra. O preconceito é uma maneira de se desobrigar a pensar: fornece uma resposta pronta, padrão, antes que o problema seja formulado.

A estudante de Direito Mayara Petruso parece ter dado início à onda xenofóbica. No dia 1º de novembro, postou, no Twitter, que “nordestisto (sic) não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado”. Foi a senha para uma enxurrada de mensagens de mesmo teor. A OAB-PE moveu uma representação contra Mayara, por racismo e incitação à prática de crime. Em São Paulo, surgiu um autodenominado Movimento São Paulo para os Paulistas.

É inegável que tal acirramento é um dos resultados previsíveis dos rumos que tomou a campanha de José Serra. Ao trazer para a frente do palco temas comportamentais, como aborto e fundamentalismo religioso – fora, inclusive, do âmbito decisório de um Presidente da República –, Serra e seu marketing optaram por uma estratégia semelhante à do movimento Tea Party, a ultradireita norte-americana que tem dado dores de cabeça ao presidente Obama. Além disso, no debate na Rede TV!, Serra afirmou que Dilma e o PT não gostam de São Paulo.

A estratégia do ódio, como sabemos, pode até ter conseguido levar a eleição presidencial para o segundo turno, mas não foi suficiente para a vitória de Serra. No entanto, pode ter deixado marcas profundas, fissuras sociais que precisam ser fechadas.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor do Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 08-11-10)

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Conselho não é censura

Por João José de Oliveira Negrão

Passadas as eleições e conhecidos os resultados das urnas, uma discussão, aparentemente específica do campo da Comunicação -- mas que diz respeito ao conjunto da sociedade e ao avanço da democracia participativa –, precisa voltar à cena. Se possível, num nível de maior racionalidade que aquele permitido pelas paixões despertadas pelo processo eleitoral. Estou me referindo à criação dos conselhos estaduais e nacional de Comunicação, resultantes da I Conferência Nacional de Comunicação.

O assunto voltou à pauta com a criação, pela Assembleia Legislativa cearense, do Conselho Estadual de Comunicação daquele estado. Intenção semelhante já manifestaram Alagoas, Piauí e Bahia – o que desmonta argumentos exclusivamente partidários dos adversários dos conselhos: o Ceará é governado pelo PSB, Piauí e Bahia pelo PT e Alagoas pelo PSDB.

É preciso estabelecer, logo de início, que os conselhos não são instrumentos de censura prévia à imprensa, nem querem controlar a circulação de informações e de opiniões. Como demonstraram Bia Barbosa, Jonas Valente, Pedro Caribé e João Brant, membros do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, “os Estados não definem novas regras para a radiodifusão, o que seria prerrogativa da União, mas apoiam a aplicação de princípios constitucionais e leis já existentes, muitas vezes ignorados por concessionárias de rádio e TV. Os conselhos tratam das políticas estaduais, como o desenvolvimento da precária radiodifusão pública e comunitária local, o acesso da população à banda larga, e de critérios democráticos de distribuição das verbas publicitárias governamentais, feitas, em geral, de forma pouco transparente”.

Os grandes meios de comunicação, neste tema específico mais que em outros, não têm aberto espaço ao contraditório. Não só os editoriais, mas também as reportagens “informativas” têm, via de regra, só ouvido fontes contrárias à criação dos conselhos. É sintomático.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 01/11/10)