segunda-feira, 25 de outubro de 2010

21 anos domingo

Por João José de Oliveira Negrão

Domingo a democracia brasileira faz aniversário. Completaremos 21 anos de processo democrático ininterrupto, fato raro na nossa história. Em 1989, depois de uma longa transição – que envolveu, como ponto final, o mandato de José Sarney, vice-presidente escolhido ao lado de Tancredo Neves por um Colégio Eleitoral – efetivamente chegava ao fim o ciclo da ditadura militar, instalado com o Golpe de 1964.

As eleições de 89 foram disputadas por 22 candidatos a Presidência. Presentes as velhas forças de apoio à ditadura, como Aureliano Chaves (PFL) e Paulo Maluf (PDS); a oposição tradicional, como Ulysses Guimarães (PMDB), Leonel Brizola (PDT) e Roberto Freire (PCB); uma nova direita, com Fernando Collor (PRN), Ronaldo Caiado (PSD) e Guilherme Afifi Domingos (PL). Apareciam também as candidaturas de Lula (PT), Mário Covas (PSDB) e Fernando Gabeira (PV). E também os partidos nanicos, com figuras folclóricas como Enéas Carneiro (PRONA), Marronzinho (PSP) e Armando Correa (PMB)

Para o segundo turno, foram Lula e Collor. De um lado (Lula) ficaram todos aqueles que tinham enfrentado a ditadura: Brizola, Covas, Ulysses, Freire, Gabeira. De outro (Collor), as forças de apoio aos militares e a nova direita: Maluf, Aureliano, Caiado, Afif.

Já nas eleições seguintes, começava uma disputa entre dois partidos novos, filhos da redemocratização. PT e PSDB polarizaram as eleições de 94 e 98 – vencidas pelos tucanos, com FHC –, 2002 e 2006 – vencidas pelos petistas, com Lula. O segundo turno das eleições de 2010 mantém a disputa: PT e PSDB novamente se enfrentam. E não é coincidência, pois são os únicos partidos que têm um projeto político e de Nação para o Brasil.

São também os únicos efetivamente organizados em todo o país e que, apesar de suas figuras de proa, são capazes de existir sem depender de uma liderança carismática. Apesar de pontos de contato em sua história, eles representam projetos distintos. Cabe ao eleitor escolher qual deles quer para o Brasil.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp
(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 25/10/10, com o título alterado pela redação para "Democracia conquistada"

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Liberdade para os iguais

Por João José de Oliveira Negrão

“Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos”.

Assim terminava o artigo, favorável ao governo, que custou a demissão da psicanalista Maria Rita Kehl do conjunto de articulistas do jornal O Estado de S. Paulo. O tradicional e conservador diário paulistano, de maneira transparente, apoia a candidatura Serra. O avanço da posição explícita, no entanto, sucumbiu frente ao ataque à pluralidade. Assim, a liberdade de expressão é só para quem pensa igual Na mesma seara, a Folha de S. Paulo, apelando para a Justiça, conseguiu tirar do ar um blog satírico chamado Falha de S. Paulo, alegando “uso indevido da marca”.

São estes mesmos jornais, linhas de frente de instituições conservadoras com a ANJ (Associação Nacional de Jornais), a SIP (Sociedade Interamericana de Imprensa) e o Instituto Millenium, que seguidamente alertam para supostos “ataques” à liberdade de imprensa e de expressão promovidos pelos governos de centro-esquerda latinoamericanos.

No entanto, até o momento em que este artigo é finalizado (domingo pela manhã), nenhuma destas organizações se manifestou sobre a demissão de Maria Rita ou sobre a proibição ao blog. Também não o fizeram os convertidos neoconservadores Marcelo Tas nem o comediante Marcelo Madureira. E não se sabe se os humoristas da Globo estão organizando alguma manifestação para as ruas do Leblon, em nome da liberdade.

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 11/10/10)

Aposta no retrocesso

Por João José de Oliveira Negrão

No final de setembro de 2008, aqui neste espaço, escrevi, a respeito do PSDB, que “aquele sopro modernizador do início logo transmudou-se, ao chegar ao poder com FHC, na repetição dos processos de modernização conservadora tão comuns à nossa história. As veleidades social-democratas, a ideia do Estado de Bem Estar Social e as tinturas keynesianas de política econômica foram abandonadas, trocadas pela realpolitik neoliberal então em voga. Em verdade, os princípios social-democratas estão hoje em outras mãos e os tucanos são, tão somente, conservadores tradicionais. Assim, o PSDB envelheceu antes de amadurecer. Para quem tinha, segundo Sérgio Motta, um projeto de 20 anos de poder, a senilidade chegou antes”.
 Os rumos que Serra tomou aceleraram ainda mais este processo. De conservadores tradicionais, os tucanos foram para a direita mais anacrônica. O fundamentalismo religioso, o moralismo e o neoudenismo – em tudo lembrando a oposição que o Tea Party faz a Obama – colonizaram de vez a campanha tucana. Serra, Aloysio Nunes, José Anibal, Alberto Goldman, entre outros, com origem política em grupos de enfrentamento à ditadura, como a Ação Popular (AP), ALN, de Marighela, e o velho Partidão (PCB), hoje parecem os graves senhores da Marcha com Deus pela Família, predecessora do golpe de 64. A própria TFP distribui panfletos em encontro nacional do PSDB, enquanto uma de suas principais lideranças, o governador eleito Geraldo Alckmin, flerta com o Opus Dei, outro grupo da ultradireita católica.

O projeto político tucano se deslocou para a polícia comportamental, é regressivo e os compromissos assumidos com os grupos fundamentalistas – que não agem na política movidos tão somente por interesses ideológicos, mas buscam, por exemplo, concessões de TV – podem cobrar um alto preço daqueles que, há cerca de duas décadas, nasceram dos ventos modernizantes que sopraram no Brasil pós ditadura. É pena.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp