terça-feira, 26 de novembro de 2013

Campanhas livres do poder econômico

João José de Oliveira Negrão

A fulanização no debate político já se esgotou. Se não quisermos continuar com este campeonato medonho, cuja disputa é saber se o político A do partido B é mais corrupto que o político C do partido D, temos que ir à raiz do problema.

O modelo atual de financiamento de campanhas é porta de entrada para o festival de distorções e tem de ser mudado. Do jeito que é hoje – cada candidato tendo de buscar recursos para viabilizar os custos de sua campanha eleitoral, seja um concorrente ao Senado ou a uma câmara municipal – , está aberto o caminho para as práticas pouco recomendáveis, mas reais, da política brasileira. Os esquemas de caixa 2 – doação “por fora”, sem declaração à justiça eleitoral –, pelos mais diferentes motivos, estão presentes em cada uma de nossas seguidas eleições.

Esta porta tem de ser fechada. Para isso, é fundamental uma reforma política aprove o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, sem a participação financeira de pessoas jurídicas e limitando drasticamente – ou mesmo proibindo – a de pessoas físicas. Para isso, no entanto, será fundamental, também, abandonar as candidaturas individuais e o voto nominal, assumindo o sistema de voto em lista fechada.

Tal medida, é claro, não consegue por si só eliminar de vez a corrupção. Mas fecha um caminho importante por meio do qual ela se insere nos canais institucionais do País. Também evita que grande parte dos políticos fique refém de favores ao poder econômico, o que distorce a vontade popular e contamina a democracia.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 26/11/2013)



terça-feira, 19 de novembro de 2013

Igualdade na rede


João José de Oliveira Negrão

A proposta do Marco Civil da Internet (PL 2126/11) é o principal item na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados de hoje (19). O projeto define a comunicação na rede como um direito e, na verdade, é uma espécie de constituição, de carta de princípios da internet. Ele se baseia em três pontos essenciais: a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede.

O último aspecto (a neutralidade) é o que tem sido o ponto de disputa: através dele, o Marco Civil garante a todos o acesso ao conjunto de sites, blogs, buscadores, canais de filmes, informações, etc, independente da velocidade de conexão comprada. As empresas de telecomunicações fazem um lobby fortíssimo – capitaneadas pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – contra isso: elas querem que a comunicação na internet seja tão somente um negócio, sem garantias de direitos. Assim, poderão vender pacotes (como no sistema de tevê paga) que não garantam o pleno acesso ao conjunto da internet.

O Marco Civil foi, talvez, um dos projetos de lei construídos com a maior participação popular desde a redemocratização do Brasil. Entidades e cidadãos puderam opinar, debater, participar de sua construção. Há toda uma estratégia de desinformação, posta em prática pelos defensores das teles, no sentido de identificar o Marco Civil como tentativa de controle, como censura. O caso é exatamente o contrário, pois o PL 2126 tem por escopo a defesa dos direitos da cidadania. Controle, de fato, quem quer fazer são as teles, ao definir quem pode e quem não pode ter acesso ao conjunto da rede.Quem pagar mais, tem tudo; quem não puder, fica com as sobras. Isto não é direito.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP


(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 19/11/2013)



terça-feira, 12 de novembro de 2013

Jango

João José de Oliveira Negrão

Uma das maiores dúvidas da história brasileira começa a ser esclarecida: o ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de Estado em 1964, morreu de causas naturais ou foi assassinado durante seu exílio?

Amanhã (13), haverá a exumação dos restos mortais de Jango, em São Borja (RS). De lá, seguem para Santa Maria (RS), de onde serão transportados para Brasília. O corpo do ex-presidente será recebido com honras de chefe de Estado, com a presença da família e da presidenta Dilma Rousseff. Depois, o corpo seguirá para o Instituto Nacional de Criminalística de Brasília, onde será periciado para verificar a suspeita de que o Jango teria sido envenenado na Argentina.

As suspeitas ganharam corpo depois que um ex-agente de inteligência uruguaio, Mario Neira Barreiro – preso há mais de 10 anos em Charqueadas (presídio de máxima segurança no Rio Grande do Sul) –, declarou, para a Polícia Federal, que Jango foi envenenado. Teriam sido introduzidos comprimidos adulterados entre os que o ex-presidente tomava devido a problema cardíaco. A ação teria contado com o apoio da CIA, através de seu chefe em Montevidéu em 1976, o agente Frederick Latrash e de Sérgio Paranhos Fleury, o caçador de opositores e chefe do antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).

A morte de Jango pode ter sido um dos resultados da Operação Condor, uma articulação secreta e ilegal das ditaduras latino-americanas dos anos 70 para monitorar, perseguir e eliminar opositores aos regimes instalados que ainda estivessem no continente. Para João Vicente Goulart, filho do ex-presidente, “parece bastante claro que as ditaduras de Geisel e Videla atuaram em conluio para impedir a realização de uma autópsia, como costuma suceder quando morre qualquer ex-presidente no exterior”, conforme declarou ao site Carta Maior.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 12/11/2013)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O curso é de Jornalismo

João José de Oliveira Negrão

Quando foram criados os cursos de Jornalismo – em 1947, através de um convênio entre a Fundação Cásper Líbero e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento (PUC-SP), e em 1948, na então Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro –, a área possuía relativa autonomia, embora próxima aos cursos de Filosofia.

Em 1948 (já com o avanço da Guerra Fria), em Paris, conferência realizada pela Unesco (então dominada pelos interesses dos EUA) resolveu dedicar atenção especial à formação dos jornalistas do terceiro mundo, pois o jornalismo poderia “agravar, se mal inspirado, os desajustamentos entre grupos, classes e partidos” – como pregava o comunismo soviético – “ou atenuá-los até o ponto de extingui-los, se baseado na boa compreensão dos fatos e na lúcida revelação dos mesmos”, relata o professor Eduardo Meditsch.

É esta preocupação que leva à criação do Ciespal (Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo), na Universidade Central de Quito, no Equador, em 1960. Com o golpe de 64, a receita da “modernização conservadora” será plenamente posta em prática na universidade brasileira. No ensino de Jornalismo, a tarefa ficou a cargo de Celso Kelly, formado pelo Ciespal, autor do currículo mínimo imposto a todas as escolas do país.

Em 1965, o Ciespal realiza quatro seminários regionais na América Latina, recomendando a transformação dos cursos de Jornalismo em “institutos de comunicação” ou “ciências da informação coletiva”. Pouco depois, os cursos passaram a se chamar de “comunicação social”, adotando a linguagem padronizada pelo Ciespal para todo o continente.

Agora, com a recente aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Jornalismo, a área recupera aquela autonomia inicial. Os cursos deverão ser de “Jornalismo” – não mais considerado uma habilitação da Comunicação Social. As instituições têm dois anos para adaptar seus currículos às novas orientações.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 05/11/2013)

Pesquisas e direito à informação

João José de Oliveira Negrão

O senador Luís Henrique da Silveira (PMDB-SC) apresentou Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que visa proibir a divulgação do resultado de pesquisas eleitorais nos dias que antecedem a eleição. O projeto entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e será relatado pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). O tema é recorrente. Anos atrás, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional uma lei do mesmo teor.

O argumento dos defensores da proibição é equivocado e paternalista, ao ver o eleitor como incapaz de decidir seu voto. Pode até acontecer de um eleitor mudar sua opção por causa de pesquisas, por ter uma segunda escolha, o chamado “voto útil”. E isto é direito dele. A decisão do voto é resultado final de todo um feixe de instituições agindo neste sentido, como meios de comunicação, campanhas eleitorais, famílias, escolas, igrejas, grupos sociais de pertencimento, pesquisas eleitorais etc. A informação é essencial para uma escolha racional.

É verdade que pesquisas erram, mas as metodologias de aferição estão cada vez mais sofisticadas, reduzindo a margem de erro. Elas também podem ser manipuladas – ainda mais aquelas feitas por institutos desconhecidos, que surgem da noite para o dia. Para evitar isso, a legislação eleitoral exige que relatórios completos das pesquisas tornadas públicas – com metodologia, amostragem, análises etc – sejam depositados nos cartórios eleitorais e fiquem à disposição de qualquer interessado.

Melhor fariam os senadores e deputados federais se investissem numa reforma política completa e parassem de buscar remendos.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP 

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 29/10/2013)

Biografias

João José de Oliveira Negrão

O assunto voltou a ganhar centralidade, mas desde 2012 está em andamento no STF uma ação movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL) contra dois artigos do Código Civil, o 20 e o 21, que, na prática, impedem as chamadas biografias não autorizadas pelos biografados ou por seus familiares. Figuras muito conhecidas, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan e Gilberto Gil, articulados pela produtora Paula Lavigne, criaram um movimento chamado Procure Saber, que quer manter a proibição.

Dezenas de artigos – de outros músicos, como Alceu Valença, e de jornalistas/biógrafos, como Mário Magalhães, autor de Marighella, defenderam a plena liberdade de expressão. Programas de TV continuam tratando do tema. O jornal O Globo fez uma boa retrospectiva da polêmica (veja em http://oglobo.globo.com/infograficos/batalha-biografias/ ).

Em síntese, se vingar a vontade do Procure Saber, jornalistas e escritores ficariam limitados a escrever apenas as biografias elogiosas e laudatórias, pois as que, do ponto de vista do biografado ou de seus herdeiros, tivessem passagens consideradas pouco nobres, poderiam ser proibidas. Imaginem alguém depender da autorização da neta de Mussolini para escrever a história do ditador italiano.

A lei já é suficiente para proteger a todos contra calúnias, injúrias ou difamações. Se livros ou reportagens mentirem sobre quem quer que seja, que se abram processos pesados e caros contra editoras, jornais e autores. Mas depois de tanta luta pela democracia, pela liberdade de expressão e contra a censura, este país não pode aceitar a volta sub-reptícia da censura prévia. Chico, Caetano, Djavan etc estão pisando feio no tomate. Devem recuar. Suas histórias de vida (com ou sem biografias autorizadas) merecem que tenham esta grandeza.




João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 22/10/2013)

Notícia: construção social

João José de Oliveira Negrão

A notícia é uma construção social que ajuda a constituir a própria realidade. Isto não quer dizer que as notícias sejam ficção, pois o jornalismo tem por referente o real. Para Stuart Hall, “as notícias são o produto final de um processo complexo que se inicia numa escolha e seleção sistemática de acontecimentos e tópicos de acordo com um conjunto de categorias socialmente construídas”.

Tal processo compõe-se, entre outros, de três aspectos importantes: 1) a organização burocrático-rotineira dos jornais, que vai direcioná-los para certos tipos de acontecimentos de acordo com sua própria estrutura interna – número e ênfase de editorias, de repórteres, correspondentes, setoristas, contratos com agências noticiosas, etc. – que implica na possibilidade ou não de “cobrir” determinados fatos, além de sua própria forma de inserção no campo jornalístico (jornal econômico, esportivo, local, etc.); 2) a estrutura dos valores-notícia (o fora do normal, o inesperado, o trágico e o dramático, etc), que organiza, seleciona e hierarquiza as matérias dentro de categorias prévias (as editorias); e 3) o momento de construção da própria notícia, quando um acontecimento é tornado significativo, a partir de suposições sobre o que é a sociedade e como ela funciona.

Esta pressuposição, para Hall, é a de uma natureza consensual da sociedade. Estes pontos de vista ‘consensuais’ representam a sociedade como se não existissem importantes rupturas culturais ou econômicas, nem importantes conflitos de interesse entre classes e grupos. Assim, as notícias têm um papel importante na construção desta visão, uma vez que o acontecimento é tornado significativo dentro de “mapas de significado” e enquadramentos que incorporam e refletem valores e visões de mundo hegemônicas.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 15/10/2013)