terça-feira, 31 de agosto de 2010

Que oposição?

Por João José de Oliveira Negrão

O crescimento exponencial da intenção de votos em Dilma Rousseff, candidata presidencial do PT e do presidente Lula, ao lado da queda significativa de José Serra (pelo Ibope divulgado sábado Dilma tem 51% contra 27% de Serra e 7% de Marina), já leva analistas e operadores da política a imaginar cenários pós-eleitorais.

A oposição atual, liderada pelo PSDB, sairá muito enfraquecida, mais ainda se firmar-se a possibilidade tendencial da subida de Aloizio Mercadante no estado de SP, principal cidadela tucana. Além de SP, outros estados, hoje em poder dos tucanos, podem mudar de mãos, como o Rio Grande do Sul, onde a governadora tucana Yeda Crusius, candidata à reeleição, patina num terceiro lugar, atrás do petista Tarso Genro e do peemedebista José Fogaça. Em Minas, o candidato do governador Aécio Neves, Antônio Anastasia, vem recuperando terreno, mas ainda está atrás do ministro Hélio Costa, do PMDB. No RJ, sem luz própria, o PSDB embarcou na candidatura do verde Fernando Gabeira, também mal colocado. Na Bahia e em Pernambuco também não há tucanos viáveis. E o Democratas, irmão siamês do PSDB, não está em situação melhor.

Os petistas podem, eventualmente, se alegrar, mas o cenário preocupa. Em um mais que provável governo Dilma, a atual oposição em frangalhos poderá abrir espaços para uma direita reacionária do tipo Tea Party norte-americano, que tem colocado os republicanos em incontáveis saias justas na oposição a Obama. Uma direita furiosa, atrasada, antidemocrática e com poucas perspectivas eleitorais, mas capaz de fazer barulho e alimentar o ovo da serpente. É preciso ficar atento.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 30/08/2010) 

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Jornalistas reafirmam defesa do diploma e decisão de não sindicalizar não diplomados

Por www.fenaj.org.br

A defesa do Jornalismo como essencial à democracia e dos jornalistas como categoria fundamental para garantir o direito da sociedade à informação marcou o 34º Congresso Nacional dos Jornalistas, realizado de 18 a 22 de agosto em Porto Alegre. Destacaram-se entre as resoluções as lutas pela aprovação das PECs dos Jornalistas, pela democratização da comunicação, criação do Conselho Federal dos Jornalistas e por uma nova e democrática Lei de Imprensa, além da manutenção da decisão de não sindicalizar não diplomados. A nova diretoria da FENAJ, presidida por Celso Schröder, tomou posse no evento.

Nos três dias de debates, painéis e miniconferências abordaram temas como o Jornalismo como necessidade social e a conjuntura nacional, a política e os conflitos sociais na América Latina, a desregulamentação das profissões no Brasil, a defesa da profissão de Jornalista e o ensino do Jornalismo, novas tecnologias e direitos autorais. Houve, também, oficinas sobre gênero, raça e etnia e encontros para tratar da organização internacional da categoria, particularmente na perspectiva dos jornalistas latinoamericanos e dos países que falam a língua portuguesa.

Já em três plenárias deliberativas foram aprovadas dezenas de propostas que compõem o Plano de Lutas da Federação Nacional dos Jornalistas para o próximo período. Dentre elas destaca-se a luta pela restituição do diploma de curso superior de Jornalismo como requisito para o exercício da profissão, com mais mobilizações pela aprovação das Propostas de Emenda Constitucional que tramitam na Câmara dos Deputados e no Senado com este objetivo. Este será, também, o centro de um Termo de Compromisso que as entidades sindicais dos jornalistas encaminharão aos candidatos à Presidência da República e aos governos estaduais com as principais reivindicações da categoria.

Também compõem eixos centrais do plano de ação da FENAJ para o próximo triênio as lutas pela democratização da comunicação com a implementação das resoluções da 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), pela aprovação de uma nova e democrática Lei de Imprensa, pela criação do Conselho de Comunicação Social e do Conselho Federal de Jornalistas (CFJ) e pela definição de um piso salarial e contrato coletivo nacional para os jornalistas.

O 34º Congresso Nacional dos Jornalistas aprovou, também, a manutenção da decisão de não sindicalizar e não emitir carteiras para não diplomados. Uma comissão formada por representantes dos sindicatos da categoria e da FENAJ sistematizará, até março de 2011, propostas de enfrentamento dos problemas surgidos após a fatídica decisão do STF de extinguir com a exigência do diploma para o exercício da profissão, particularmente quanto ao registro profissional.

No sábado (21/08), ao final dos trabalhos, houve solenidade de entrega da Comenda de Honra da FENAJ aos jornalistas Nilson Lage e Daniel Herz (in memorian) e a posse das diretorias recém eleitas do Sindicato dos Jornalistas do Rio Grande do Sul e da FENAJ, presididas respectivamente por José Nunes e Celso Schröder. Os trabalhos do Congresso de Porto Alegre foram encerrados no domingo com reunião da nova direção da FENAJ.

As principais resoluções do 34º Congresso Nacional dos Jornalistas estão sintetizadas na “Carta de Porto Alegre”, cuja íntegra segue abaixo. O conjunto das resoluções do Congresso está sendo sistematizado e será disponibilizado no site da FENAJ nos próximos dias. Deliberou-se, ainda, que o 35º Congresso Nacional da categoria, a realizar-se em 2012, será em Rio Branco, no Acre.

Carta de Porto Alegre
Os jornalistas brasileiros, reunidos em seu 34º Congresso Nacional, realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, de 18 a 22 de agosto de 2010, dirigem-se à Nação Brasileira para reafirmar a defesa do Jornalismo como bem público essencial à democracia e a defesa dos jornalistas como categoria profissional responsável pela efetiva produção jornalística, dentro do princípio do direito da sociedade à informação.

Há no país uma ação permanente patrocinada pelos grandes grupos de comunicação para desqualificar o Jornalismo, confundindo propositadamente a produção de informação jornalística com entretenimento, ficção e mera opinião. Igualmente, a categoria dos jornalistas sofre ataques à sua constituição e organização.

Por isso, mais uma vez, os jornalistas brasileiros afirmam a defesa da regulamentação da profissão e conclamam a sociedade a apoiar a luta pela aprovação das Propostas de Emendas Constitucionais (PECs), em tramitação no Congresso Nacional, que restituem a exigência da formação de nível superior específica para o exercício da profissão.

Os jornalistas brasileiros entendem que a luta pela regulamentação da profissão e pela democratização da comunicação é de interesse público. Por isso, pedem a continuidade da Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) como instância democrática e plural de discussão e deliberação das políticas públicas para o setor.

Em seu 34º Congresso Nacional, os jornalistas brasileiros afirmam a necessidade de dar consequência às decisões da 1ª Confecom e destacam como prioridade a criação do Conselho Nacional de Comunicação como instância deliberativa, a criação do Conselho Federal de Jornalistas (CFJ) e do Código de Ética do Jornalismo e a aprovação de uma nova e democrática Lei de Imprensa para o país.

Não por acaso, no mesmo período de realização do 34º Congresso dos Jornalistas, a Associação Nacional dos Jornais (ANJ) reuniu-se no Rio de Janeiro para defender seus interesses empresariais, antagônicos aos da grande maioria do povo brasileiro. Falsamente, a ANJ afirma defender a liberdade de expressão e de imprensa, mas aponta para uma autorregulamentação do setor, sob o controle do patronato, em contraposição às propostas de regulação e regulamentação, por lei, defendidas pelos trabalhadores.

Os jornalistas brasileiros denunciam a exploração a que são submetidos pelos donos dos veículos de comunicação, que violam abertamente os mais comuns direitos trabalhistas. Reafirmam sua luta por melhores condições de salário e trabalho, pelo respeito à jornada diária, pela aplicação do Código de Ética da profissão, pela garantia de segurança no exercício profissional e contra a precarização das relações de trabalho. Tomam, ainda, a iniciativa de fortalecer a posição dos jornalistas no âmbito da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e de outras centrais sindicais.

Além das lutas sindicais específicas, os jornalistas brasileiros se comprometem a trabalhar no combate ao racismo e pela promoção de políticas de equidade de gênero, raça e etnia na organização da categoria e na produção jornalística. Também destacam a importância de fortalecer os veículos públicos de comunicação e seus serviços noticiosos, como a Voz do Brasil, ameaçada atualmente por um projeto de lei apoiado pelas empresas jornalísticas.

As lutas da categoria no Brasil somam-se às dos jornalistas de outros países da América Latina e do Caribe, do continente africano e dos demais países reunidos na Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), que estiveram presentes no 34º Congresso Nacional.

Por fim, às vésperas de eleições gerais no país, os jornalistas brasileiros conclamam os candidatos, em nível nacional e estadual, a se comprometerem com as bandeiras da democratização dos meios de comunicação e com a defesa do Jornalismo e da regulamentação profissional dos jornalistas.

Porto Alegre, 21 de agosto de 2010

Resposta a Paulo Ghiraldelli: A democracia funciona sem deus

Por Daniel Lopes, do blog Bacaroço www.bacaroco.org


Por muito tempo admirei o trabalho do Professor Paulo Ghiraldelli. Estudante de Filosofia que sou, por opção, por prazer, por apreciar o conhecimento; decidi que seria meu próximo curso, depois de Direito. Assim, realizaria meu sonho de ser Professor.

Firme em meus posicionamentos, desde o tempo de minha primeira fase no movimento estudantil, jamais abandonei minhas convicções de esquerda, respeitando à democracia. Respeitando, sobretudo, àqueles que discordavam de minhas posições.

Pois bem, ao questioná-lo, no twitter, o Professor Paulo Ghiraldelli, filósofo, mestre e doutor, frente às suas “denúncias” contra o jornalista Luis Nassif, dizendo ter sido “comprado” pelo PT, chamando-o de “ladrão”, pedi que apresentasse provas, bem como, dissesse em quem seria seu voto para Presidente, e obtive como respostas:

1) ghiraldelli @daniellopes13 vocês petistas são bandidos mesmo! O cara foi denunciado e provado, tem Cia fantasma. Deixe de ser filho da puta!
2) ghiraldelli @daniellopes13 é necessário mais provas contra Nassif, você não lê jornal não? Ah, esqueci que muitos petistas jovens são analfabetos.
3) ghiraldelli @daniellopes13 cala boa idiota, você é um petista e faz parte do grupo de bandidos ou de burros
4) ghiraldelli@daniellopes13 vá moleque burro, só de ser petista já mostra que é um tonto, cai fora

Após demonstrar preconceito de classe em suas afirmações ofensivas contra minha pessoa, para minha surpresa, Luis Nassif acompanhava a discussão e me respondeu:
luisnassif @daniellopes13 Ele vai poder provar em juizo. Já gravei os comentários.”

Depois disso, o Professor parou de me ofender, sem responder qual seria seu voto para Presidente da República.

Hoje, em seu site, publica texto “A democracia funciona sem deus” e, de maneira mais respeitosa, como que um resvalo de retratação, denuncia que Nassif recebe “55 mil reais por mês do governo federal, do PT”. E que isso ocorreu sem licitação, embora legal, referindo-se como não sendo uma “justificativa honesta”.
A expressão “ladrão” virou “imoral”, “moleque burro; petistas analfabetos e filho da puta” virou “caras de pau” e a pergunta relativa a sua opção de voto: “elas (as pessoas) não estão interessadas na prática honesta… querem saber em quem eu voto para, então, procurar defeito no que seria o meu candidato (…)”.

Quando questionei o Professor Ghiraldelli sobre qual seria a tipificação do crime, tendo em vista ser esse tipo de contratação legal, fui chamado de “analfabeto, filho da puta e burro”.

A democracia liberal prevê tais abordagens, Professor?

Qual a relação entre saber seu voto e não ter interesse em práticas honestas?

O senhor chamou Luis Nassif de “ladrão”, os petistas de analfabetos… É assim que se constrói a democracia liberal em nosso país?

A democracia é feita sem deus. Assim como não podemos nos sentir deus.

Deus me livre desse deus!

PS:
Texto: “A democracia funciona sem deus”

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Moção do atraso

Por João José de Oliveira Negrão

Pode ser votada amanhã, pela Câmara de Sorocaba, uma moção de repúdio à chamada Lei da Palmada. Promulgada pelo Governo Federal, ela proíbe explicitamente castigos físicos às crianças. O autor da moção é o vereador Ditão Oleriano, atualmente no PMN, mas que já navegou por uma série de partidos. Ele entende que os pais precisam da violência para impor limites aos filhos e até acha que o uso da vara de marmelo deve ser tolerado. Este senhor é o mesmo parlamentar que, da tribuna da casa de leis, defendeu a ditadura militar que torturou, matou e infelicitou o país por mais de 20 anos. Quer dizer, ele representa a vanguarda do atraso.

Ditão verbaliza um sentimento subreptício, que perpassa segmentos da nossa sociedade: a ideia de que todos os conflitos se resolvem por meio da violência do mais forte sobre o mais fraco. Clamam pela pena de morte, acham que prisão é instrumento de vingança, não de recuperação – e gostariam de trazer de volta as masmorras medievais. Despreparados para o diálogo, intolerantes com as diferenças, tais setores, no fundo, adorariam um ditador que a tudo uniformizasse.

Tomara que, divergências políticas à parte, os demais vereadores não permitam que Sorocaba passe por mais este vexame. Já bastam a troca de dez secretários municipais em um ano – um deles acusado de pedofilia – e a postura homofóbica da bancada evangélica.

A Lei da Palmada é um instituto que torna mais contemporânea nossa legislação. Chega de achar que dentro de casa o homem pode bater na mulher, pais podem espancar os filhos e ninguém pode meter a colher. O Brasil está mudando, com mais distribuição de renda, mais cultura e mais democracia. Os adoradores do passado devem ficar para trás.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Lembranças do JN

Por Laurindo Lalo Leal Filho

O destaque dado pela mídia ao Jornal Nacional na última semana, em razão das entrevistas realizadas com os candidatos à presidência da República, trouxe a minha memória o episódio de cinco atrás quando acompanhei com colegas da USP uma reunião de pauta daquele programa.

Contei em artigo publicado na revista Carta Capital e depois reproduzido no livro “A TV sob controle” o que vi e ouvi naquela manhã no Jardim Botânico, no Rio. Mostrei como se decide o que o povo brasileiro vai ver à noite, no intervalo entre duas novelas. Ficou clara, para tanto, a existência de três filtros: o primeiro exercido pelo próprio editor-chefe a partir de suas idiossincrasias e visões de mundo cujos limites se situam entre a Barra da Tijuca e Miami, por via aérea.

O segundo e o terceiro filtros ficam mais acima e são controlados pelos diretores de jornalismo e pelos donos da empresa, nessa ordem. Não que o editor-chefe não tenha incorporado as determinações superiores mas há casos que vão além de sua percepção e necessitam análise político-econômica mais refinada.

As entrevistas com os presidenciáveis passaram, com certeza, pelos três filtros e os resultados o público viu no ar. O candidato do PSOL tendo que refazer uma fala cortada pela emissora e a candidata do PT deixando de ser entrevistada para ser inquirida. Para os outros dois candidatos da oposição a pegada foi mais leve, de acordo com a linha editorial da empresa.

Nada diferente do que vi em 2005 quando uma notícia oferecida pela sucursal de Nova York foi sumariamente descartada pelo editor-chefe do telejornal. Ela dava conta de uma oferta de óleo para calefação feita pelo presidente da Venezuela à população pobre do estado de Massachussets, nos Estados Unidos, a preços 40% mais baixos do que os praticados naquele pais. Uma notícia de impacto social e político sonegada do público brasileiro.

Ou da empolgação do editor-chefe em colocar no ar a notícia de que um juiz em Contagem (MG) estava determinando a soltura de presos por falta de condições carcerárias. Chegou a dizer, na reunião de pauta, que o juiz era um louco e depois abriu o jornal com essa notícia sem tentar ouvir as razões do magistrado e, muito menos, tocar na situação dos presídios no Brasil. O objetivo era disseminar o medo e conquistar preciosos pontos de audiência.

Diante dessas lembranças revirei meu baú com mensagens recebidas na época. Foram dezenas apoiando e cumprimentando pelas revelações feitas no artigo.

Reproduzo trechos de uma delas enviada por jornalista da própria Globo:

“Discordo da revista Carta Capital num ponto: o texto ‘De Bonner para Homer’ não é uma crônica. É uma reportagem, um relato muito preciso do que ocorre diariamente na redação do telejornal de maior audiência do País.

As suas conclusões são, porém, mais esclarecedoras do que uma observação-participante. Que fique claro: trabalho há muito tempo na Globo, não sou, portanto, isento.

Poderia apresentar duas hipóteses relacionadas à economia interna da empresa para a escolha do editor-chefe do JN:

1) a crise provocada pelo endividamento levou a direção da rede a tomar medidas para cortar de despesas. Em vez de dois altos salários - o de apresentador e o de editor-chefe - para profissionais diferentes, entregou a
chefia ao Bonner. Economizou um salário.

2) como é profissionalmente fraco, não tem experiência de campo, nunca se destacou por nenhuma reportagem, o citado apresentador tem o perfil adequado para o papel de boneco de ventríloquo da direção do Jornalismo.

A resposta para a nossa questão deve estar bem próxima dessas duas hipóteses. De todo modo, os efeitos são devastadores: equipe dividida, enfraquecida e só os mais inexperientes conseguem conviver com o chefe tirano e exibicionista.

‘Infelizmente, é um retrato fiel’, exclamou uma repórter experimentada diante do seu texto.

Eu me sinto constrangido e, creia-me, não sou o único por aqui”.


É a esse tipo de organização que os candidatos à presidência da República devem se submeter se quiserem falar com maior número possível de eleitores. Constrangimento imposto pela concentração absurda dos meios de comunicação existente no Brasil, interferindo de forma perversa no jogo democrático.

Laurindo Lalo Leal Filho, sociólogo e jornalista, é professor de Jornalismo da ECA-USP. É autor, entre outros, de “A TV sob controle – A resposta da sociedade ao poder da televisão” (Summus Editorial).

(Publicado originalmente em www.cartamaior.com.br)

Apartheid paulistano

Por João José de Oliveira Negrão

Diferentes jornais trataram, na semana que passou, de um assunto que mostra o quanto certos segmentos da elite brasileira vivem alheios à realidade, num processo que talvez a psicologia social seja capaz de explicar: alguns moradores de Higienópolis mostraram-se contrários à instalação de estação de metrô no bairro, para não terem de se “misturar a essa gente”. É apartheid social, mesclado a étnico, em estado puro.

Esta mesma franja social é, ao mesmo tempo, origem e destino do discurso do medo, já verbalizado em 2004 pela atriz Regina Duarte e em 2010 pela jornalista (?) Danuza Leão, contra os avanços sociais do atual governo e contra a possibilidade de setores da esquerda brasileira chegarem ao poder de estado. Na falta de um dos seus, mais “puro”, esse segmento da sociedade opta por Serra, embora este, na juventude, tenha cometido deslizes “esquerdistas” e não venha de berço nobre.

No outro polo, dados de pesquisa do publicitário Renato Meirelles, do Data Popular – citados pelo blog Vi o Mundo, do jornalista Luiz Carlos Azenha – mostram que dos jovens de 25 anos da classe A, só 10% estudaram mais que os pais; dos jovens de 25 anos da classe C, 68% estudaram mais que os pais. “É a primeira geração de universitários em massa em nossa História contemporânea”, diz Azenha. E nos próximos 12 meses, 8,7 milhões de brasileiros das classes C e D vão viajar pela primeira vez de avião.

O que explica a reação de “moradores” de Higienópolis é exclusivamente o preconceito, uma vez que não há segmento da economia brasileira que não tenha crescido do governo “dessa gente” – ou “dessa raça”, como se referiu, certa vez, o ex-senador e ex-presidente do PFL (atual DEM), Jorge Konder Bornhausen. Mas a ascensão social de milhões de brasileiros, por outro lado, explica o crescimento da candidatura Dilma Rousseff, que pode levar a eleição presidencial no primeiro turno.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Sociologia Política e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 16/08/2010)

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Debates sem graça

Por João José de Oliveira Negrão

Os debates entre candidatos a presidente e a governadores perderam emoção e graça. As tiradas cômicas e inteligentes têm espaço e os enfrentamentos são mornos, mimetizando as estratégias dos marqueteiros que dirigem as campanhas eleitorais. De maneira geral, foram estas as críticas que apareceram após o primeiro debate entre os presidenciáveis, realizado pela TV Bandeirantes na última quinta-feira.

Há um aspecto decisivo para esta análise, no entanto, que só vi tratado na coluna de Clóvis Rossi na Folha de S. Paulo de ontem: a normalidade democrática tende a tornar rotineira a disputa. E se isso reduz a emoção dos grandes enfrentamentos do passado recente – no youtube encontramos passagens históricas de debates entre Lula, Collor, Jânio, Montoro, Maluf, Brizola, etc. –, por outro lado significa que a democracia está cada vez mais consolidada entre nós e que as eleições fazem parte da rotina da vida da sociedade.

Assim, os conflitos entre os diferentes projetos políticos, entre esquerda e direita – distinção que, entendo, mantém toda sua capacidade explicativa – se dão em outros marcos. Além disso, a estrutura do veículo onde acontecem os debates, a televisão, não permite excessos de intervenção: se todos falarem ao mesmo tempo – como acontece entre dez de dez 'mesas redondas' esportivas –, ninguém entende nada e a tendência de fuga do telespectador é grande.

Isso, de certa maneira, torna comparativamente menor, em relação ao passado recente, a importância dos debates na TV, embora ela continue elevada. Além deles e do horário eleitoral, os eleitores utilizam-se de outros mecanismos para suas escolhas. Talvez se possa dizer que o mais importante, ainda, é a ação política dos sujeitos coletivos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 09/08/10)

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Serra e Índio: qual o apito?


E finalmente descortinou-se – sob os estarrecidos olhares dos eternos ingênuos – a verdade que todos, há muito tempo, já conheciam. A fluidez do processo político brasileiro, suas clivagens e crises que podem decorrer da percepção de resultados eleitorais adversos, levaram o candidato José Serra a revelar sua verdadeira natureza de classe. Reativando um surrado discurso udenista, o ex-presidente da UNE passou a endossar o protofascismo de sua base de sustentação. Mais que assegurar a adesão de eleitores da direita, pôs por terra uma tese que ganhava espaço na grande mídia e em conhecidos círculos acadêmicos.

A caracterização simplória do cenário político definia as próximas eleições mais como uma disputa por espaço eleitoral do que como polarização ideológica de projeto de país. Ressurgia, com endosso de algumas lideranças esquerdistas, a visão dos dois partidos hegemônicos (PT e PSDB) como agrupamentos politicamente inautênticos, sem verdadeiras raízes na estrutura social e sem diferenciação ideológicas nítida. A distinção se daria apenas na maior ou menor capacidade de conseguir recursos, ganhos incrementais que ignoram modificações substantivas nos programas públicos. Nada mais falacioso. Nada mais revelador da fragilidade analítica dos que vêem no governo Lula uma continuidade pura e simples da gestão FHC. As sobejas dificuldades do candidato da direita, sua necessidade de marcar posição, desmentiram os estudos de encomenda.

Ao afirmar que “o PT é chavista, que mantém relação com as Farc, e prima por desrespeitar direitos humanos”, Serra incorporou a visão de mundo da nova direita. Um estrato que, ameaçado pela abrangente emergência social promovida nos últimos oito anos, destila raiva e ressentimento; típicos da intolerância retórica que o distingue. Impossibilitada de construir sua identidade pela inserção no processo produtivo, essa parcela da classe média forja a auto-imagem por diferenciação das classes fundamentais. Sabe que não é o que mira, mas não sobrevive sem o sentimento subjetivo de pertencer a uma elite idealizada. É nesse aspecto da nossa estrutura social que Índio e Serra passam a querer o mesmo apito. E a falar o mesmo dialeto.

As diatribes recentes do candidato tucano têm uma imensa serventia para os setores progressistas. Ao criticar as relações do governo petista com países sul-americanos e com a China, assegurando que “estamos fazendo filantropia com Paraguai e Uruguai e concessões excessivas ao país asiático”, Serra sinaliza que, no caso de uma eventual vitória em outubro, retomaria a política externa de subalternidade aos interesses estadunidenses. A volta da "diplomacia de pé de meia” não é uma questão menor nem uma mudança de rota desprezível.

A própria capacidade de o país de decidir soberanamente sobre seus destinos estará novamente em jogo. A orientação tendente a beneficiar o diálogo com os países vizinhos, superando assimetrias e promovendo uma autêntica integração, para ter continuidade e ser aprofundada, não pode conviver com a submissão vergonhosa ao imperialismo. O que está em jogo, neste momento, é a verdadeira segurança nacional.

Os inimigos dos reais interesses do país, ao contrário do que pretende a oposição e seu braço midiático, não são os governos de Evo Morales e de Hugo Chávez, a quem Serra, repetindo Uribe, acusa de "abrigar as Farc". O que ameaça a nação brasileira é a humilhante prostração aos ditames de Washington. Em um país com instituições minimamente democráticas, Serra e seu vice têm como lugar certo a lata de lixo da história.

Quanto mais nos aproximamos de outubro, aumenta a urgência de ampla mobilização dos trabalhadores e demais setores populares em defesa das suas conquistas sociais e econômicas, alcançadas nos dois mandatos do presidente Lula. É bom lembrar que não se deve esperar da nova direita, que sustenta Serra, uma análise serena de um governo popular. Para ela é imperdoável que tenha havido um período tão rico em cidadania, tão pródigo em participação nos debates sobre problemas nacionais.

Jonathan Swift escreveu, certa vez, que se pode identificar um gênio pelo número de imbecis que lhe atravancam o caminho. Se o criador de Gulliver tiver razão, Lula e sua candidata, a ex-ministra Dilma Roussef, têm excelentes títulos para exigir que lhes reconheçam a genialidade. Com inveja, com rancor, com incompreensão, mobiliza-se contra eles o que há de pior na sociedade brasileira. E ainda há quem não veja diferença entre os atores.

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil

(Publicado originalmente em www.cartamaior.com.br)

Educação política

Por João José de Oliveira Negrão

Tenho defendido, neste espaço, a tese do incremento do nível de racionalidade no voto conforme nossa população vai ampliando sua experiência democrática. A educação política não se resume à educação formal, embora não a despreze. Com isso, quero dizer que mais anos de estudo não implicam automaticamente em maior discernimento na hora da escolha do candidato, ao contrário do que deixaram transparecer certos artigos conservadores ao analisar dados de levantamento do TSE a respeito da escolaridade dos eleitores.

A educação política vem pela prática da participação cidadã, mas é tarefa, também – além das escolas de todos os níveis – de outras instituições sociais que se comprometam com a democracia. Entre elas, papel de destaque merece a imprensa, tanto a impressa quanto a eletrônica.

Ela, no entanto, tem deixado a desejar. Nosso jornalismo político, com poucas exceções, tem se focado mais na baixa fofoca política, no disse-me-disse, nas provocações baratas, e menos nas questões de fundo, na informação e na análise de peso. E até boas ideias, como a deste Bom Dia, de levantar temas para serem respondidas pelos candidatos da região, não se resolvem bem: o espaço para as respostas (115 caracteres) é exageradamente curto.

Além disso, as perguntas são excessivamente genéricas e não distinguem com clareza o que pertence ao universo decisório de um presidente da República, de um governador, de um senador, de um deputado federal e de um estadual. Essa generalidade, ao contrário das aparências, não contribui para o aprofundamento da educação política da população.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Sociologia Política e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 02/08/2010)