segunda-feira, 18 de junho de 2012

Mulheres e mudanças nas cidades


Por João José de Oliveira Negrão

Em 1988, a cidade de São Paulo rompeu seu tradicional conservadorismo e elegeu como Prefeita a então deputada estadual Luíza Erundina, na época no Partido dos Trabalhadores. Foi uma vitória surpreendente: uma mulher, migrante nordestina, oriunda e ligada aos movimentos populares, assumiria os destinos da maior cidade da América Latina. Agora, Luíza, hoje no PSB, comporá, como vice, a chapa do candidato do PT, Fernando Haddad.

As elites paulistanas e sua imprensa oligopólica foram à loucura. Embora Luíza fosse uma professora universitária, o preconceito de origem e de classe falaram mais alto. Antes mesmo de assumir a Prefeitura, começou o bombardeio midiático e o cerco ao futuro governo progressista. As insinuações sobre a incapacidade de gerir São Paulo – como eram claramente ideológicas, portanto independentes da realidade concreta – não amainaram nem após o anúncio do secretariado, formado por especialistas e intelectuais do mais alto gabarito. Se compararmos um a um, veremos que era um secretariado muito mais brilhante e sofisticado que o ministério do então presidente José Sarney.

Não foi fácil, mas o governo de Luíza Erundina mudou São Paulo, com projetos ousados e focados no interesse da maioria da população. Ela revolucionou a educação, enfrentou o oligopólio dos transportes públicos, disseminou a cultura. E isso sob o fogo cerrado da mídia conservadora, que fez letra morta de todos os princípios jornalísticos. Eu, como assessor de imprensa da então CMTC (Companhia Municipal de Transportes Coletivos), tive a honra de participar daquela gestão.

Sorocaba também deve experimentar o novo. Estamos, há décadas, sob administrações de uma mesma elite. Em alguns momentos da história da cidade – como agora -- há conflitos internos neste grupo, mas ele sempre se recompõe quando vê seus interesses hegemônicos em risco. O país mudou muito – para melhor – nos últimos anos. É hora de Sorocaba mudar junto. E também aqui uma mulher pode simbolizar esta mudança.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 18/06/2012)

segunda-feira, 21 de maio de 2012

Liberalismo e democracia

Por João José de Oliveira Negrão

Bobbio afirma que as relações do indivíduo com a sociedade são vistas pelo liberalismo e pela democracia de modo diverso. Diz o pensador italiano: “Do indivíduo, o [liberalismo] põe em evidência sobretudo a capacidade de autoformar-se; a [democracia] exalta sobretudo a capacidade de superar o isolamento com vários expedientes que permitam a instituição de um poder finalmente não tirânico. Trata-se no fundo de dois indivíduos potencialmente diversos: como microcosmo ou totalidade em si perfeita, ou como partícula indivisível mas componível e re-componível com outras partículas semelhantes numa unidade superior”.
 
Por seu lado, o neoliberalismo – que Bobbio identifica com o liberismo, a absolutização do mercado como o único elemento organizador da sociedade – é negador da política, entendida como “mal necessário”. Para Milton Friedman, economista norteamericano, representante do pensamento neoliberal, o mercado é a efetiva representação proporcional, enquanto a política é uma representação limitada.
 
Essa negação à política, conforme o francês Bruno Théret, “constitui um discurso sobre o político baseado no econômico. Essa retórica pode ser qualificada de reacionária, pois ela remete à filosofia liberal pré-democrática dos direitos naturais e reata com o velho tema das desigualdades criadoras e o darwinismo social [...] Ela se opõe às ideias de regulação voluntária, quer dizer, resultante de uma ação política, considerando que a ordem social é muito mais bem assegurada pelo funcionamento de um mercado autorregulador e pelos efeitos mecânicos dos comportamentos mercantis dos indivíduos atomizados e concorrenciais[...] Pura ideologia negativa em sua forma doutrinária e simples prática de desestruturação em sua forma gestionária, [o neoliberalismo] não permite conceber, e menos ainda instituir, um espaço cognitivo comum e instituições coerentes”. 

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp 

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 21/05/2012)
 

segunda-feira, 9 de abril de 2012

Financiamento de campanhas


Por João José de Oliveira Negrão

Mais um esquema de corrupção pesada veio à tona. Desta vez, o flagrado foi o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), que até então era um dos vestais a distribuir acusações e sentenças definitivas contra todos os outros, especialmente se apoiassem o governo. O centro da nova embrulhada é o bicheiro e explorador de máquinas caça-níqueis Carlinhos Cachoeira. No rolo, estão ainda o governo de Goiás, comandado por Marconi Perilo (PSDB), e o chefe da sucursal em Brasília da Veja, o jornalista Policarpo Júnior.

E como tem acontecido em outros escândalos, um dos motes – não o único, que fique claro – a explicar o malfeito é o financiamento de campanhas. Como cada candidato tem de buscar recursos para viabilizar os custos de sua campanha eleitoral, seja um concorrente ao Senado ou a uma câmara municipal, está aberta a porta para práticas pouco recomendáveis, mas reais, da política brasileira. Os esquemas de caixa 2 – doação “por fora”, sem declaração à justiça eleitoral –, pelos mais diferentes motivos, estão presentes em cada uma de nossas seguidas eleições.

Esta porta tem de ser fechada. Para isso, é fundamental que o Congresso, ao debater e votar a reforma política, aprove o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, sem a participação financeira de pessoas jurídicas e limitando drasticamente a de pessoas físicas. Para isso, no entanto, precisaremos abandonar as candidaturas individuais e o voto nominal, assumindo o sistema de voto em lista fechada.

Tal medida, é claro, não consegue por si só eliminar de vez a corrupção. Mas fecha um caminho importante por meio do qual ela se insere nos canais institucionais do País.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 09/04/2012)

quarta-feira, 28 de março de 2012

Apolonio de Carvalho



Por João José de Oliveira Negrão

No próximo sábado, dia 31, começa a exposição Apolonio de Carvalho, a trajetória de um libertário, no Memorial da Resistência de São Paulo, que fica no Largo General Osório, 66, na Luz, antiga sede do temido DOPS, centro de tortura da época da ditadura militar. Com fotos, documentos, cartazes e textos – além da apresentação do documentário Vale a Pena Sonhar – a exposição conta a história de Apolonio, um brasileiro que esteve presente nos principais acontecimentos da história do Brasil e do mundo no século XX.

Internacionalista, Apolonio foi um militar brasileiro e é herói nacional francês, pela participação na Resistência contra o nazismo na França ocupada; herói nacional espanhol, pela participação na Guerra Civil Espanhola, nas Brigadas Internacionais, em defesa do governo republicano contra as hordas fascistas do general Francisco Franco. Também participou da Insurreição de 1935, enfrentou a ditadura Vargas e a ditadura miliar brasileira instalada em 1964.

Exilado mais de uma vez, Apolonio militou no Partido Comunista Brasileiro, com o qual rompeu nos anos 60 para fundar o PCBR (Partido Comunista Brasileiro Revolucionário). Com a redemocratização e a anistia, Apolonio voltou ao Brasil e foi um dos primeiros filiados ao Partido dos Trabalhadores, quando de sua fundação, nos anos 80. Apolonio morreu de pneumonia, aos 93 anos, em 2005.

Concebida originalmente para integrar a programação oficial do Ano do Brasil na França (2005), a exposição foi montada, pela primeira vez no Museu da Resistência e Deportação de Toulouse, cidade no sul da França libertada do domínio nazista sob o comando de Apolonio, em 1949. No Brasil, foi apresentada nas cidades do Rio de Janeiro (2007) e Recife (2008) com o apoio da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 26/03/2012)




sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Greve armada


Por João José de Oliveira Negrão

A greve dos soldados da Polícia Militar da Bahia, que chegou ao Rio de Janeiro, ali envolvendo também policiais civis e bombeiros, levanta uma questão delicada, mas que precisa ser democraticamente enfrentada: o direito destes trabalhadores de fazer ou não movimentos paredistas, como estabelecido para outras categorias.

A coisa toda não é simples. Policiais, como o braço armado do Estado, logicamente portam armas. Quando de um conflito com as instituições deste mesmo Estado que os emprega e que é o dono das armas, podem estes trabalhadores continuar armados? Me parece que não, sob o risco de se abrir espaços para estratégias muito perigosas, seja no convencimento aos fura-greves, seja nos confrontos que eventualmente ocorrem nas paralisações de qualquer categoria.

A divulgação de conversas, gravadas com autorização da Justiça, com líderes da greve na Bahia combinando queimar carros para fechar uma rodovia, confirma o grau de periculosidade das greves de policiais caso estes permaneçam armados.

Mas outro ponto que a democracia brasileira deste século 21 precisa voltar a discutir com serenidade é a desmilitarização das polícias. A polícia militar é estruturada hierarquicamente e tem seus soldados e oficiais formados, ainda, sob forte influência da Doutrina de Segurança Nacional da ditadura militar. Tradicionalmente, o militar visa a defesa do Estado, é para isso que ele existe, e seu oponente é “inimigo” a ser destruído. A polícia, por sua vez, não tem por função precípua a defesa do Estado, mas da população. O seu combate não é contra um inimigo a ser dizimado, mas contra um cidadão, portador de direitos constitucionais, ainda que delinquindo.

Uma polícia treinada para lidar com cidadãos, com foco maior na inteligência do que na repressão (para a qual ela, evidentemente, precisa estar preparada, mas que estrategicamente deve ser o último recurso) é mais adequada à democracia. A sociedade e os próprios policiais teriam muito a ganhar com isso.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 13/02/2012)

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Sobre o senso comum

Por João José de Oliveira Negrão

Viver na Europa durante a Idade Média pode ter sido muito mais simples que nos dias atuais. Afinal, o lugar das pessoas e das coisas estava determinado e não havia o que indagar. Se a vontade divina havia me colocado numa casa nobre, aí residia a minha posição, confortável e cheia de privilégios. Do contrário, os campos para serem trabalhados, as oficinas de artesanato ou, quem sabe, a sorte de pertencer ao baixo clero, eram destinos certos. Praticamente não havia conflitos sobre a própria existência e como ela se dava, já que predominava o pensamento cristão medieval, endossando este modelo de sociedade.
 
A certeza prevalecia, e não a dúvida.
 
No século XVII surge o chamado conhecimento científico, que obviamente não é o inventor da dúvida. A filosofia é conhecida desde o período clássico, mas o pensamento científico sistematiza, através de seus métodos, um contraponto ao senso comum.
Segundo Solis, “o senso comum caracteriza-se como um conjunto desagregado de ideias e opiniões difusas e dispersas que fazem parte de um pensamento genérico de uma época ou de um certo ambiente popular”.
 
Pode-se afirmar que este conhecimento comum, construído a partir de vivências e experiências, é a nossa zona de conforto, origem de muitas explicações, das obviedades. É o saber que não desestabiliza, não traz em seu bojo a dúvida, mas a certeza.
 
Segundo Gramsci, “somos todos conformistas de algum conformismo”. Não escapamos do senso comum, que não pode ser separado da filosofia, por possuir em seu bojo algo que se aproxima dela: o bom senso. Este traz, em si, o início de uma criticidade, que nos liberta dos impulsos instintivos e violentos.
 
Assim, o senso comum não é algo a ser desprezado, mesmo porque nos utilizamos dele para boa parte do nosso estar no mundo. Partimos do senso comum para iniciar uma pesquisa ou reflexão que nos conduzirá para uma criticidade dos fatos e objetos, desvelando as questões ali contidas.
 
Resgatar a importância da criticidade, da dúvida perante as verdades contidas em nosso cotidiano é não apenas uma tarefa para os acadêmicos, ou intelectuais, mas a necessidade de uma ação permanente de todos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 30 de janeiro de 2012)