segunda-feira, 29 de março de 2010

Notícia e propaganda

Por João José de Oliveira Negrão

Nada tenho de pessoal contra os locutores Juarez Morato e José Roberto Ercolin. Nem sei de qualquer coisa que desabone suas vidas profissionais. Com eles, tenho relações bastante amistosas e agradáveis. No entanto, não posso deixar de destacar a locução de ambos em propagandas do governo Serra que foram ao ar, na semana que passou, nas rádios Cruzeiro do Sul e Jovem Pan, durante os radiojornais dos quais são apresentadores.

Não há nada, nenhuma vinheta ou contextualização – antes delas irem ao ar – que indique tratar-se de material publicitário. Elas entram “coladas” nas notícias e o tom utilizado pelos locutores é exatamente o mesmo que usam na apresentação do jornal. Assim, o ouvinte é levado a crer que a propaganda do governo estadual é uma notícia como as outras, com a credibilidade conferida pelos tradicionais programas jornalísticos.

Quem ouve, então, pensa que o spot publicitário é jornalismo. Essa confusão, sem dúvida, é a intenção dos marqueteiros de Serra. Sei também que a decisão de levar este tipo de propaganda ao ar não é dos locutores, mas da direção das rádios.

No jornalismo impresso – área que conheço melhor – há um jargão que tenta definir as relações entre o setor comercial e o setor editorial: Igreja e Estado, com isso querendo significar que um não deve imiscuir-se nas tarefas do outro. Esta distinção deve ficar clara, penso, em qualquer veículo, para que a credibilidade dos locutores e apresentadores de programas jornalísticos no rádio e na TV não acabe contribuindo para induzir o público a equívocos, seja na propaganda política ou comercial.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em
Ciências Sociais e professor no Ceunsp
(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 29/03/2010)

segunda-feira, 22 de março de 2010

Estado e economia

Por João José de Oliveira Negrão

O tema “Estado” volta a ganhar contornos decisivos na campanha presidencial que se avizinha. Nos dias que sucederam o IV Congresso do PT, que formalizou a candidatura de Dilma Rousseff à Presidência da República, as manchetes da nossa “grande” imprensa destacaram que a candidata e o partido “radicalizaram” seu programa, ao defender o “Estado forte”, indutor da economia e regulador das relações entre os agentes econômicos.

Esse discurso – ao qual parcela dos jornais parece aderir – se recusa a aprender com a realidade. E é velho. Foi justamente a prática do estado mínimo que levou o mundo à crise econômica mais recente, que, com maior ou menor intensidade, respingou em todos os países. E foi a intervenção do estado – tão demonizada pelos neoliberais, daqui e de fora – que evitou ela virasse uma crise sistêmica.

A realidade mostra o que Estado é um ator constituinte da economia contemporânea. Ele sempre age. Na sociedade democrática, a favor da maioria. Na sociedade neoliberal do estado mínimo, age a favor dos poderosos. Privatiza a riqueza, socializa os prejuízos. A própria eficácia ou ineficácia do Estado não são inerentes ao monstro leviatânico, como quer fazer crer o neoliberalismo: elas atendem a interesses dos segmentos sociais. Ou seja, ele pode agir para distribuir ou para concentrar riquezas, como mostra a recente História do Brasil.
(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 22/03/2010)

segunda-feira, 15 de março de 2010

Millenium é o novo IBAD

Por João José de Oliveira Negrão

No dia 1 de março realizou-se em São Paulo, num hotel cinco estrelas, o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, convocado pelo Instituto Millenium. A “módicos” 500 reais por cabeça, a “população” brasileira poderia ter participado do encontro de tycoons da mídia nativa (Civitas, Marinhos, Frias e outros) com neocons (que aqui, como nos EUA, são ex-esquerdistas que passaram com armas e bagagens para o conservadorismo mais delirante).

O encontro é uma resposta pela direita à I Conferência Nacional de Comunicação, de dezembro passado, quando mais de mil delegados do país inteiro – depois de realizadas as etapas estaduais, que envolveram milhares de pessoas – debateram as concessões dos canais de rádio e TV, universalização do acesso às telecomunicações, internet, políticas públicas de democratização das comunicações, regionalização de conteúdos, convergência das mídias, um novo marco regulatório para o setor e o controle social de políticas públicas para o setor. Os segmentos ligados aos oligopólios da comunicação brasileira, como a ANJ, a Abert, a Aner e outros recusaram-se a participar do debate democrático.

E agora, são estes mesmos setores que patrocinam o Instituto Millenium, que parece uma versão renovada do velho IBAD e de seu braço “intelectual”, o IPES. Conforme se pode ler no clássico de Rene Dreifuss, 1964, a conquista do Estado, o Instituto Brasileiro de Ação Democrática e o Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais financiaram, produziram e difundiram uma grande quantidade de programas de radiofônicos, de televisão e matérias nos jornais com conteúdo anticomunista. As duas entidades contribuíram decisivamente na oposição ao governo de João Goulart, fator crucial para o êxito do Golpe Militar de 64.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor
em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 15/03/2010)

terça-feira, 9 de março de 2010

Greve dos professores

Por João José de Oliveira Negrão

Provavelmente começou hoje mais uma greve dos professores da rede estadual de ensino. São cerca de 215 mil profissionais, que reivindicam um aumento salarial de 34,3%. Conforme a Apeoesp, o sindicato da categoria, o piso do professor de primeira à quarta séries é de R$ 785,50 e chega a R$ 958,33 com as gratificações. No final da carreira, pela mesma jornada, esse salário chega a R$ 1.153,21. Já o professor de educação básica e ensino médio, por 24 horas semanais, tem piso de R$ 909,32, chega a R$ 1.100,92 com as gratificações e pode encerrar a carreira com R$ 1.326,27. E vale lembrar que as gratificações não costumam incidir na aposentadoria.

É muito pouco para a responsabilidade social que estes trabalhadores têm. A sequência de governos tucanos – com figuras que estão no poder no estado de SP há 26 anos, desde o governo Montoro – deixou um saldo trágico na educação paulista, conforme comprovam os dados do Saresp, exame realizado pela própria secretaria estadual de educação.

O reflexo do descaso é marcante na baixa procura que os cursos superiores de licenciatura – voltados à formação de professores – vêm tendo. A cada ano, é menor a relação candidato/vaga nas universidades públicas. E muitas particulares, por absoluta falta de procura, fecham cursos.

Por isso tudo – apesar dos inconvenientes que poderá provocar – a greve é justa. A vitória dos professores será também da sociedade paulista, que tem seu futuro empenhado pela péssima gestão da educação pública do estado.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em
Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 08/03/10)

Não ao fascismo

Por José Carlos Triniti Fernandes

Antônio Luiz Pimentel e Manoel de Souza, advogados, escreveram, respectivamente no Bom Dia de domingo (7) e segunda-feira (8), cartas que assustam não pelo eventual conteúdo crítico às políticas implementadas pelo governo Lula, uma vez que todo poder democrático está aberto a questionamentos.

Elas assustam pelo tom golpista e reacionário: um, Antônio, considera os eleitores “reles e analfabetos”. A consequência lógica é: acabem com as eleições diretas, pelas quais tanto lutou o conjunto do povo brasileiro. Outro, Manoel, implora – como fazia a velha UDN de Carlos Lacerda – às Forças Armadas que “botem Dilma para correr”.

É o fascismo em estado puro, o golpismo reacionário botando os dentes para fora. A resposta a esta gente não pode ser só nossa, do PT. Clamo a todas as forças democráticas, ligadas aos partidos que combateram a ditadura militar, que fiquem alertas. Uma disputa eleitoral, mesmo tão importante como a que viveremos neste ano de 2010, não pode abrir espaços para retrocessos de tão grande monta.

A ditadura já infelicitou o Brasil por gerações. Não vamos permitir que uns poucos saudosistas ignorantes (porque ignoram a História) coloquem em xeque a democracia, bem maior que custou luta, lágrimas e sangue de muitos democratas.

José Carlos Triniti Fernandes é
presidente do PT Sorocaba

segunda-feira, 8 de março de 2010

Liberdade de Expressão e seus 30 novos significados

Por Washington Araújo

Organizado pelo Instituto Millenium realizou-se em São Paulo no dia 1º de março de 2010 o I Fórum Democracia e Liberdade de Expressão congregando a fina flor do empresariado da comunicação brasileira e acolhendo representantes de grandes grupos de mídia da América Latina, em especial da Venezuela e da Argentina, além renomados nomes do colunismo político que brilham em nossos veículos comerciais. Pretendeu ser um contraponto à I Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), cuja etapa nacional ocorreu em Brasília entre os dias 14 a 17 de dezembro de 2009. A Confecom envolveu mais de 20.000 pessoas em todo o país, recepcionou 6.000 propostas originárias das etapas estaduais e aprovou 500 resoluções.

A Confecom de Brasília trouxe à discussão temas como Produção de Conteúdo, Meios de Distribuição e os Direitos e Deveres da Cidadania, o Fórum de São Paulo propunha a defesa de valores como Democracia, Economia de Mercado e o Individualismo.

Todo cidadão brasileiro era bem-vindo para participar da 1ª Confecom. Para assistir ao Fórum Millenium era indispensável o pagamento de R$ 500,00 a título de inscrição. Na Confecom as seis maiores corporações empresariais de veículos de comunicação do Brasil fizeram questão de marcar sua ausência. No Millenium as ausentes se fizeram presentes. Dentre as quais destaco: Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e a Associação Nacional dos Jornais (ANJ), entidades que envolvem a Globo, o SBT, a Record, a Folha de S. Paulo, o Estado de S. Paulo, a RBS, Instituto Liberal, Movimento Endireita Brasil (MEB), e outras empresas que decidiram boicotar a I Conferência Nacional de Comunicação, numa demonstração de forte apreço pela democracia. Se essas entidades desejaram evitar o confronto na Confecom mostraram-se pintadas para guerra no Millenium.

Cotejando os temas abordados no Millenium e, principalmente, os conferencistas que lá foram vivamente aplaudidos, posso imaginar que se pretende agregar novos significados ao verbete “liberdade de expressão”.

São eles:

1. Liberdade de expressão é interditar todo e qualquer debate democrático sobre os meios de comunicação.

2. Liberdade de expressão só pode ser invocada pelos que controlam o monopólio das comunicações no país.

3. Liberdade de expressão é bem supremo estando abaixo apenas do Deus-Mercado.

4. Liberdade de expressão é moeda de troca nas eternas rusgas entre situação e oposição.

5. Liberdade de expressão é denunciar qualquer debate sobre mecanismos para termos uma imprensa minimamente responsável.

6. Liberdade de expressão é gerar factóides, divulgar informações sabidamente falsas apenas para aproveitar o calor da luta.

7. Liberdade de expressão é deitar falação contra avanços sociais, contra mobilidade social, contra cotas para negros e índios em universidades públicas.

8. Liberdade de expressão é cartelizar a informação e divulgá-la como capítulos de uma mesma novela em variados veículos de comunicação.

9. Liberdade de expressão é não conceder o direito de resposta sem que antes o interessado passe por toda a via crucis de conseguir na justiça valer seu direito.

10. Liberdade de expressão é explorar a boa fé do povo com programas de televisão que manipulam suas emoções e suas carências oferecendo uma casa aqui outro carro ali e assim por diante.

11. Liberdade de expressão é somente aprovar comentários aptos à publicação em sítio/blog da internet se estes referendarem o pensamento do autor e proprietário do sítio/blog.

12. Liberdade de expressão é ser leviano a ponto de chamar a ditadura brasileira de ditabranda e ficar por isso mesmo.

13. Liberdade de expressão é imputar ao presidente da República comportamento imoral tendo como fundamento depoimento fragmentado da memória de um indivíduo acerca de fato relatado quase duas décadas depois.

14. Liberdade de expressão é apresentar imparcialidade jornalística do meio de comunicação mesmo quando os principais jornalistas fazem de sua coluna tribuna eminentemente partidária.

15. Liberdade de expressão é fazer estardalhaço em torno de um sequestro que não ocorreu há quase 40 anos com a clara intenção de tumultuar o processo político atual.

16. Liberdade de expressão é assacar contra a honra de pessoa pública utilizando documentos de autenticidade altamente duvidosa e depois fazer mea culpa na seção “Erramos”.

17. Liberdade de expressão é submeter decisões editoriais a decisões comerciais de empresas e emissoras de comunicação.

18. Liberdade de expressão é somente dar ampla divulgação a pesquisas de opinião em que os resultados sejam palatáveis ao veículo de comunicação.

19. Liberdade de expressão é não ter visto “Lula, o filho do Brasil” e considerá-lo péssimo produto cinematográfico sem ao menos tê-lo assistido.

20. Liberdade de expressão é minimizar o descaso do poder público ante as enchentes de São Paulo e reduzir candidato à presidência a mero poste.

21. Liberdade de expressão é ter dois pesos em política externa: Cuba é o inferno e China é o paraíso.

22. Liberdade de expressão é demonizar movimentos sociais e defender a todo custo latifúndios vastos e improdutivos.

23. Liberdade de expressão é usar uma concessão pública para aumentar os níveis de audiência com o uso perverso de crianças no papel de vilões.

24. Liberdade de expressão é desqualificar quem não aprecia a programação servida pelo Instituto Millenium.

25. Liberdade de expressão é rejeitar in totum toda e qualquer proposição da Conferência Nacional de Comunicação.

26. Liberdade de expressão é apostar em quem ofereça garantias robustas visando manter o monopólio dos atuais donos da mídia brasileira.

27. Liberdade de expressão é obstruir qualquer caminho que conduza mecanismos de democracia participativa.

28. Liberdade de expressão é fazer coro contra qualquer governo de esquerda e se omitir contra malfeitorias de qualquer governo de direita. Ou vice-versa.

29. Liberdade de expressão é fugir como o diabo foge da cruz de expressões como liberdade, democracia, cidadania, justiça social, controle social da mídia.

30. Liberdade de expressão é lutar para manter o status quo: o direito de informar é meu e ninguém tasca.

Washington Araújo é jornalista e escritor. Mestre em Comunicação pela
UNB, tem livros sobre mídia, direitos humanos e ética publicados no Brasil,
Argentina, Espanha, México. Tem o blog http://www.cidadaodomundo.org
Email - wlaraujo9@gmail.com
(Publicado em www.cartamaior.com.br)

O rosnar golpista do Instituto Millenium

Por Gilberto Maringoni

Vale a pena refletir mais um pouco sobre os significados e conseqüências do 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, realizado pelo Instituto Millenium em São Paulo, na segunda-feira, 1º. de março.

A grande questão é: por que os barões da mídia resolveram convocar um evento público para discutir suas idéias? Ta bom, vamos combinar. A R$ 500 por cabeça não é bem um evento público. Mas era aberto a quem se dispusesse a pagar.

No subsolo do luxuoso hotel Golden Tulip estavam o que se poderia chamar de agregados da Casa Grande dos monopólios da informação, como intelectuais de programa e jornalistas de vida fácil. Todos expuseram suas vísceras, em um strip-tease político e moral inigualável. Um espetáculo digno de nota. Nauseabundo, mas revelador.

Uma observação preliminar: os donos, os patrões, os proprietários enfim, tiveram um comportamento discreto e comedido ao microfone. Não xingaram e não partiram para a baixaria. Quem desempenhou esse papel foram os seus funcionários.

Nisso seguem de perto um ensinamento de Nelson Rockfeller (1908-1979), relatado em suas memórias. Quando resolveu disputar as eleições para governador de Nova York, em 1958, falou de seus planos à mãe, Abby Aldrich Rockefeller. Na lata, ela lhe perguntou: “Meu filho, isso não é coisa para nossos empregados”?

Os patrões deixaram o serviço sujo para os serviçais. Estes cumpriram o papel com entusiasmo.

Objetivos do convescote
Os propósitos do Fórum não são claros. Formalmente é a defesa da liberdade de expressão, sob o ponto de vista empresarial. Quem assistiu aos debates não deixou de ficar preocupado. Aos arranques, os pitbulls da grande mídia atacaram toda e qualquer tentativa de se jogar luz no comportamento dos meios de comunicação.

Talvez o maior significado do encontro esteja em sua própria realização. Não é todo dia que os donos da Folha, da Globo e da Abril se juntam, deixando de lado arestas concorrenciais, para pensarem em táticas comuns na cena política nacional.

Um alerta sobre articulações desse tipo foi feita por Cláudio Abramo (1923-1987), em seu livro “A regra do jogo”, publicado em 1988. A certa altura, ele relata uma conversa mantida com Darcy Ribeiro (1922-1997), no início de março de 1964. “Alertei-o de que dias antes, o dr. Julinho [Mesquita, dono de O Estado de S. Paulo] havia visitado Assis Chateubriand [dos Diários Associados], e que aquilo era sinal seguro de que o golpe estava na rua. Porque a burguesia é muito atilada nessas coisas, não tem os preconceitos pueris da esquerda. Na hora H ela se une”.

Pois no Instituto Millenium estavam unidos Roberto Civita [Abril], Otávio Frias Filho [Folha] e Roberto Irineu Marinho [Globo]. Sem mais nem porquê.

Não se pode dizer que a turma resolveu botar o golpe na rua. Mas é sintomática a realização do evento quase no mesmo dia em que a candidatura de Dilma Roussef empatou com a de José Serra, de acordo com o Datafolha. Ou que ele aconteça quando os partidos conservadores – PSDB e DEM – estejam às voltas com crises sérias.

O que isso quer dizer? Quer dizer que as representações institucionais da direita brasileira estão se esfarelando. Seu candidato não sabe se vai ou se não vai. Apesar de o governo Lula garantir altos ganhos ao capital financeiro, deixando intocada a política econômica neoliberal, este não é o governo dos sonhos da plutocracia pátria. Elas não suportam conviver com a ala popular, minoritária na gestão do ex-metalúrgico. Deploram a política externa, a não criminalização dos movimentos sociais e a possibilidade de um governo Dilma acatar indicações das várias conferências temáticas realizadas nos últimos anos, como a de Direitos Humanos e a de Comunicação (Confecom).

Incômodo com a Confecom
Falar nisso, há um nítido incômodo com os resultados da Confecom. A grande mídia não tolera que o tema da democratização das comunicações tenha entrado na agenda nacional.

A reação a tais movimentações sociais tem mudado substancialmente a imprensa brasileira. Para pior, vale sublinhar. Para perceber isso, vale a pena fazer uma brevíssima recuperação histórica.

Nos anos anteriores a 1964, a grande mídia – O Estado de S. Paulo, Jornal do Brasil, O Globo, Folha de S. Paulo e Diários Associados, entre outros – tornou-se propagandista e operadora do golpe militar. Colheu desgaste e sofreu censura, anos depois.

O primeiro órgão a notar que, para viabilizar seus propósitos empresariais, necessitava mudar de comportamento foi a Folha de S. Paulo. Com um jornal sem importância antes até o inícios dos anos 1970 e acusado de auxiliar o aparato repressivo da ditadura, seus proprietários perceberam que para mudar sua inserção no mercado valeria a pena abrir páginas para a oposição democrática.

Apostando na democratização

O projeto editorial de 1984 do jornal (http://www1.folha.uol.com.br/folha/conheca/projetos-1984-3.shtml) dizia o seguinte:

“A Folha é o meio de comunicação menos conservador de toda a grande imprensa brasileira. (...) É com certeza o que encontra maior repercussão entre os jovens. Foi o que primeiro compreendeu as possibilidades da abertura política e o que mais se beneficiou com ela, beneficiando a democratização. É o jornal pelo que a maioria dos intelectuais optou. É o mais discutido nas escolas de comunicação e nos debates sobre a imprensa brasileira”.

Ou seja, percebendo que a democratização lhe granjeava dividendos comerciais, o jornal deu espaço para lideranças, intelectuais e temas identificados com a mudança, em tempos finais da ditadura.

Topo da pirâmide

Vinte e três anos depois, em 11 de novembro de 2007, a Folha publicaria uma pesquisa sobre seu público, intitulada “Leitor da Folha está no topo da pirâmide social brasileira” (http://www1.folha.uol.com.br/fsp/brasil/fc1111200715.htm). Logo na abertura, a matéria destaca:

“O leitor da Folha está no topo da pirâmide da população brasileira: 68% têm nível superior (no país, só 11% passaram pela universidade) e 90% pertencem às classes A e B (contra 18% dos brasileiros). A maioria é branca, católica, casada, tem filhos e um bicho de estimação”.

Saem de cena os “os intelectuais”, “os debates sobre imprensa brasileira” e entram os endinheirados. Do ponto de vista empresarial é isso mesmo. Jornal tem de vender e veicular anúncios a quem tem alta capacidade de consumo.

Mas para atender a essa lógica, movimentações editoriais são feitas. Ao invés de se priorizar um limitado pluralismo anterior, passam-se a criar cadernos e atrações voltados para os novos desígnios do público. E a linha editorial e os colunistas passam a ser cada vez mais conservadores.

A Folha beneficiou-se e soube utilizar em proveito próprio do formidável impulso democrático da sociedade brasileira dos anos 1980. Quase três décadas depois, percebe que a continuidade desse movimento não lhe interessa. E se insurge contra ele, com seus pares empresariais, entrando de cabeça nos fóruns do Instituto Millenium.

Golpe em marcha?

Articulações desse tipo são geralmente danosas à democracia. Sempre que ficam carentes de representações, as classes dominantes (chamemos as “elites” por seu nome real) entram no jogo institucional de forma truculenta e atabalhoada. Buscam impor sua vontade a ferro e fogo, uma vez que as regras do convívio político não lhes interessam mais. Seus impulsos são sempre pela ruptura dessas regras. Pelo golpe.

Foi o que aconteceu na Venezuela, em 2002. Com a falência dos partidos de direita e com a avassaladora legitimidade do governo Hugo Chávez, as oligarquias locais – em associação com a Casa Branca, com a cúpula das forças armadas e com a grande mídia – partiram para a ignorância. E se deram mal.

Não é pouca coisa a afirmação do ex-filósofo Roberto Romano, durante o Fórum do Instituto Millenium: “O aspecto ditatorial do Plano Nacional dos Direitos Humanos passaria em branco, não fosse o descontentamento manifestado pelos militares”. Logo quem o professor de Ética (!) invoca como paladinos da democracia...

A tática golpista vingará por aqui? Pouco provável, pois seus defensores encontram-se isolados. O destempero exibido por alguns palestrantes durante o evento – notadamente Romano, Jabor, Reinaldo Azevedo, Marcelo Madureira, Sidnei Basile, Denis Rosenfield e Demetrio Magnoli – é uma patente demonstração de seu reduzido apoio social.

No entanto, não se pode subestimar essa turma. Como interpretar a delirante intervenção de Arnaldo Jabor, ao dizer que “A questão é como impedir politicamente o pensamento de uma velha esquerda que não deveria mais existir no mundo”? Como chegar a tal objetivo se não pela quebra da democracia?

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).
(Publicado em www.cartamaior.com.br)

quinta-feira, 4 de março de 2010

Câmara cria comissão especial para avaliar PEC do diploma

Sérgio Matsuura, do Rio de Janeiro do Comunique-se

O presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), criou nesta terça-feira (02/03) a Comissão Especial que vai avaliar a Proposta de Emenda à Constituição 386/09. De autoria do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), o projeto restabelece a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão.

A Comissão Especial será composta por 18 membros titulares e 18 suplentes, que serão indicados pelos partidos. Como autor da proposta, Pimenta será um deles. Ele explica que a comissão apenas foi criada, mas para ser instalada, depende da indicação dos nomes pelos partidos, o que deve acontecer em breve.
“É rápido, acredito que em uma semana ela esteja funcionando”, explica o deputado.

Após a instalação, a comissão vai avaliar o mérito da proposta e recomendar ou não a sua aprovação. Caso seja aprovada, ela será encaminhada para o Plenário para ser votada. A expectativa do deputado é que ainda no primeiro semestre deste ano a PEC entre na pauta de votação.

“A gente tem que correr para tentar colocar no primeiro semestre. A nossa expectativa é essa”, afirma, lembrando que este ano tem eleição.

O presidente da Federação Nacional de Jornalistas, Sérgio Murillo de Andrade, está “positivamente surpreendido” com a velocidade da tramitação do projeto na Câmara e trabalha para acelerar a instalação e funcionamento da comissão.

“Foi um passo importante, parece que agora vai. Nós estamos procurando as lideranças partidárias para que a comissão comece a funcionar o mais rápido possível”.

quarta-feira, 3 de março de 2010

Manifestação irreverente contesta monopólio da mídia

www.vermelho.org.br

Em contraponto ao 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, organizado em luxuoso hotel de São Paulo pelo Instituto Millenium - comandado por poderosas empresas midiáticas, além de grandes bancos e indústrias –, movimentos montaram um verdadeiro circo na Alameda Santos, para denunciar a “palhaçada” que se armava dentro do hotel. Ironia e irreverência marcaram o “Fórum de Rua Democracia e Liberdade de Expressão – contra a criminalização dos movimentos sociais”.

“Hoje tem espetáculo? Tem sim, senhor!”. Com este tom irreverente, a manifestação “Fórum de Rua Democracia e Liberdade de Expressão – contra a criminalização dos movimentos sociais” montou um verdadeiro circo, nesta segunda-feira (1/3), em frente ao hotel Golden Tulip, onde ocorria o 1º Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, que reuniu representantes da Veja, da Folha de S. Paulo, do Estadão, da Globo, entre outros, além do apoio da Associação Brasileira de Empresas de Rádio e Televisão (Abert) e da Associação Nacional dos Jornais (ANJ). Para se inscrever em tal Fórum, o ingresso custava nada menos que 500 reais. Impossibilitados, portanto, de participar do debate diretamente com os “barões da mídia”, os movimentos resolveram protestar contra o oligopólio dos meios de comunicação em frente ao evento.

A chamada para o Fórum de Rua era “Se você também acha que a mídia é uma palhaçada, venha vestido a caráter”, e, assim, palhaços, bobos-da-corte e as mais diversas formas de caracterização, com direito a chapéus engraçados e narizes de palhaço, tomaram conta daquele trecho da Alameda Santos, junto a faixas e cartazes em defesa da liberdade de expressão para o povo.

Matéria do G1 noticiando o evento do Instituto Millenium informa que “A democracia e a liberdade de imprensa estão em perigo na América Latina e países como o Brasil e o Chile seriam os modelos a ser seguidos, segundo jornalistas latino-americanos opositores ao governo de seus países que participaram nesta segunda (1º), em São Paulo, do painel de abertura do 1º Fórum Democracia & Liberdade de Expressão”. Este foi o tom da cobertura de todos os grandes veículos de comunicação sobre o pomposo evento.

Os fujões da Confecom

"Eles fugiram do debate na Confecom e agora querem debater democracia e liberdade de expressão, que liberdade é essa? Deve ser a liberdade do monopólio", conclui o representante da Associação Vermelho Altamiro Borges, conhecido pelo movimento por Miro. O Fórum de Rua é uma iniciativa de entidades da sociedade civil que se organizaram para participar da Primeira Conferência Nacional de Comunicação (Confecom) e agora decidiram manter um fórum permanente de debates. Esta é a primeira de uma série de manifestações de ruas e ações que este fórum pretende realizar, segundo Miro.

Durante a atividade, ao menos três viaturas da Polícia Militar se aproximaram dos manifestantes e se enfileiraram à frente do hotel. À presença da polícia, o representante do Intervozes João Brant ironizou: “quero agradecer a presença da polícia de São Paulo, pois de fato há muitos bandidos aí dentro deste hotel, como aquele que era presidente da RCTV, da Venezuela, e muitos outros... há muita gente perigosa aí, agradecemos vocês virem nos proteger”.

O Fórum de Rua contou com participação de diversas entidades da sociedade civil, como a União Estadual dos Estudantes de São Paulo (UEE-SP), o Coletivo Intervozes, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Associação Portal Vermelho, a Articulação Mulher e Mídia, a Marcha Mundial de Mulheres, a União da Juventude Socialista (UJS), a Revista Viração, o Conselho Regional de Psicologia, o sindicato dos Radialistas, entre outros.

Instituto Millenium: a Conferência de Comunicação particular da direita

Por Gilberto Maringoni

“O Plano Nacional de Direitos Humanos [PNDH] é um totalitário”, “o stalinismo predomina no PT”, “temos de ir para a ofensiva”, “Vamos acabar com essa história de ouvir o outro lado na imprensa”, “governo cínico, cínico, cínico!”, “democracia não é só eleição”. Frases assim, proclamadas com ênfase quase raivosa, deram o tom no Fórum Democracia e Liberdade de Expressão, realizado na segunda (1), em São Paulo.

O evento promovido pelo Instituto Millenium foi uma espécie de Conferência Nacional de Comunicação particular da direita brasileira, facção grande mídia. Revezaram-se nos microfones convidados internacionais, donos de conglomerados e seus funcionários de confiança. Fala-se aqui da Editora Abril, da Rede Globo, da Rede Brasil Sul (RBS), da Folha de S. Paulo, do Estado de S. Paulo e agregados. Como se sabe, tais setores resolveram boicotar a I Confecom, um processo democrático ocorrido em todos os estados da Federação, que culminou em uma etapa nacional, realizada em dezembro último. Presentes nesta, cerca de 1,3 mil delegados, entre empresários, movimentos sociais e governo. O total de pessoas envolvidas em suas fases regionais envolveu cerca de 12 mil participantes.

Terceirizando a bílis
Pois o Instituto Millenium fez seu convescote para cerca de 180 participantes. Eram empresários, jornalistas e interessados, que desembolsaram R$ 500 cada um, por um dia de atividades. Na mira dos palestrantes, os governos de centro esquerda da América Latina, os movimentos sociais, o governo Lula e o PNDH. As intervenções mais moderadas foram as de Roberto Civita (Abril) e de Otávio Frias Filho (Folha), que buscaram, de certa forma, situar seus interesses na cena política. Externam o que se espera de proprietários de monopólios. Defendem a livre iniciativa de “investidas antidemocráticas como o controle social da mídia” e “menos legislação para o setor”, no dizer de Civita.

Roberto Irineu Marinho (Globo) foi ainda mais discreto. Ficou na platéia e fez uma única pergunta por escrito ao longo de todo o dia. Mantêm uma certa linha. Os três resolveram terceirizar a artilharia pesada para seus empregados, que fizeram uma verdadeira competição para ver quem seria o Carlos Lacerda (1914-1977) da Nova Era. O ex-governador da Guanabara, como se sabe, se notabilizou entre o final dos anos 1950 e início da década seguinte como o mais notável agitador, na TV e no rádio, em favor do golpe de 1964. Dono de uma retórica incendiária, Lacerda intimidava adversários e aglutinava seguidores para a derrubada do presidente João Goulart.

Nessa toada, os conferencistas tiveram a inusitada ajuda do Ministro das Comunicações Helio Costa e do deputado Antonio Palocci (PT), como se verá adiante.

Visão particular da História
A primeira mesa trouxe três convidados externos, o argentino Adrian Ventura (La Nación), o âncora da televisão equatoriana Carlos Vera (Ecuavisa) e o venezuelano Marcel Granier (dono da RCTV, cuja concessão não foi renovada em 2007).

Arrogante e inflamado, Vera afirmou que em seu país “não existe liberdade de expressão”. Reclamou que seu canal de TV não recebe mais publicidade estatal e acusou o presidente Rafael Correa – “um ditador” - de ter sido eleito “por prostitutas”. Já Marcel Granier foi saudado como uma espécie de símbolo da luta pela liberdade de imprensa pelo apresentador Marcelo Rech, diretor da RBS. O proprietário da rede venezuelana denuncia “o autoritarismo do governo Hugo Chávez”. Desfia o que diz serem provocações, intimidações e a certa altura, de passagem, fala da “renúncia” de Chávez. Em nenhum momento menciona o golpe de Estado de 2002 e o papel da grande mídia de seu país. Parece que toda a tensão local nasceu por geração espontânea. Uma visão particular da História, sem dúvida.

Granier e seus colegas de mesa não deixam de deplorar a existência de aliados dos tais governos ditatoriais entre os empresários da mídia. Aliados, não. “Cúmplices”, sublinha o mediador Rech, com anuência dos convidados.

De costas para o governo
Logo após a mesa inicial, chega o convidado mais aguardado da manhã chuvosa, o Ministro das Comunicações Hélio Costa. Com seu inimitável penteado, o membro do governo falou o que a “seleta platéia”, conforme sua expressão, queria ouvir. Buscou esvaziar a Confecom de qualquer significado maior. “Através de três ministros, Luís Dulci, Franklin Martins e eu, o governo foi unânime em decidir que em hipótese alguma se aceitará algum tipo de controle social da mídia”. E enfatizou: “Isso não foi, não é e não será discutido”, para gáudio da maioria dos presentes. Genial. O membro do primeiro escalão confraterniza-se com os que deploram seu governo como marcado por tendências discricionárias.

Libelu e Rolando Lero
A terceira mesa, intitulada “Ameaças à democracia no Brasil” foi a mais trepidante de todas. Contou com Demétrio Magnoli, o Gustavo Corção da Libelu, Denis Rosenfeld, o Rolando Lero na filosofia gaúcha, e Amauri de Souza, sociólogo. Na mediação, Tonico Ferreira (Globo).

Ferreira é mais um daqueles que um dia foram de esquerda e transitaram alegremente para a outra ponta do espectro político sem culpas. Chefe de redação do semanário Movimento, no final dos anos 1970, Ferreira, de saída, denuncia o caráter autoritário da lei eleitoral. “É censura”, diz ele, antes de passar a palavra a Magnoli.

Este não perde tempo. Logo faz um apanhado da história do PT e dispara: “A relação do partido com a democracia é ambígua. Juntamente com o PSOL, apoiou o fechamento da RCTV”. Acusa a agremiação de Lula de fazer uma volta atrás em seu ideário democrático. “Retomaram a idéia autoritária de partido dirigente e de democracia burguesa”, sentencia. E logo completa “Este movimento, de restauração stalinista, é reforçado pela emergência do chavismo e do apoio a Cuba”. Na platéia uma senhora murmura: “Que vergonha, nosso governo apoiar isso”.

O risco, para Magnoli é um possível governo Dilma, supostamente mais subordinado ao PT do que a gestão Lula. O fim das ameaças, para ele, só acontecerá “com a vitória da oposição”. Bingo! E culmina: “Não somos Venezuela e Cuba! Temos de falar que nós somos diferentes!”. Aplausos entusiasmados.

Rosenfield vai pela mesma toada, mas busca elaborar uma “pensata” sobre o “corpo e o espírito do capitalismo”. Segundo ele, o corpo vai muito bem. “Os grupos econômicos ganharam muito dinheiro nesses oito anos”. O problema é o espírito, “os bens intangíveis”, revela o filósofo. A base material é garantida pelo governo, nas palavras de Rosenfield, “As metas de inflação, a autonomia operacional do Banco Central e o superávit fiscal” mostrariam um rumo seguro. Mas o espírito está sendo minado, alerta. Esse ectoplasma é “a liberdade de expressão” que estaria ameaçada. E enumera os problemas, numa tediosa repetição: “O PNDH, o MST, a questão dos quilombolas” etc. etc. etc.

A sutileza do sr. Basile
O seminário foi sumamente repetitivo, diga-se de passagem. No período da tarde, os previsíveis Arnaldo Jabor, Carlos Alberto di Franco (Opus Dei) e Sidnei Basile (diretor da Abril) tentaram dar novas roupagens ao samba de uma nota só do evento. Basile, sob o olhar atento de Roberto Civita, seu patrão, defende um regime de autorregulação para a imprensa. “Algo semelhante ao Conar” (Conselho de Autorregulamentação Publicitária), formado pelas próprias agências, ao invés de uma lei para o setor.

A proposta é ensandecida. Se aplicada a toda a sociedade, com cada um supervisionando seu próprio setor, o mundo seria uma graça. Um exemplo. Não haveria mais leis de trânsito, sinais, placas, mão e contramão. Os motoristas se reuniriam e fariam um código de autorregulação. Se os pedestres reclamarem, basta acusá-los de tentar bloquear um dos mais sagrados direitos, o de ir e vir dos motorizados. Todos se atorregulariam e chegaríamos ao reino encantado de Basile. No meio de seu delírio anarquista, o executivo, sempre observado pelo patrão, acusou a convocação da Confecom por parte do Presidente da República como um ato “cínico e hipócrita”. Adendou: “Um conto do vigário”. Basile é de uma sutileza a toda prova.

Jabor, que aparentemente não preparou intervenção alguma, repetiu jaborices pelos cotovelos. Populismo autoritário, jacobinos, bolcheviques e quejandos formam o mundo a ser vencido. Para ele, “Democracia é um conceito da norma culta, de alta classe”. Claro, o populacho jamais vai entender! Homem experiente que é, contou mais uma vez já ter sido comunista. E disparou diatribes à granel. Impossível não lembrar de uma impagável frase do escritor paulistano Marcos Rey (1925-1999). Este dizia não gostar de dois tipos de gente, ex-comunistas e ex-fumantes, “porque ambos são metidos a dar conselhos”.

Reinaldos Azevedos às mancheias
A quarta mesa – “Liberdade de expressão e Estado democrático de direito” – contou com a participação de três luminares: Reinaldo Azevedo (Veja), Marcelo Madureira (Casseta) e o Dr. Roberto Romano (Unicamp), os dois últimos tentando ver quem era mais Reinaldo Azevedo que o próprio Reinaldo Azevedo.

O citado é um fenômeno da Natureza. Um criador de personagens. É uma espécie de Walt Disney de si próprio. Disney inventou o Mickey, o Pato Donald, o Pateta e uma plêiade de figuras inesquecíveis. Reinaldo Azevedo criou Reinaldo Azevedo. “Sou de direita!”, avisa de saída. “A imprensa tem que acabar com o isentismo e o outroladismo, essa história de dar o mesmo espaço a todos”.

Madureira foi mais um a alardear sua condição de ex-comunista. Fez piadinhas, embora não se saiba se seu cachê incluía chistes e gagues. Atacou tendências autoritárias e “recadinhos” oficiais. “O governo pressiona os editores com os anúncios da Petrobras e do Banco do Brasil. Isso é censura!” Com a presença do patrão na platéia, logo sublinhou: “A Globo não nos censura”.

Mas o humorista da tarde foi o Dr. Roberto Romano. Este revelou ao mundo uma nova teoria, que vai pegar. É sobre a militância. Atenção: “O partido de militantes causa a corrosão do caráter”. Guardem essa! Depois de A corrosão do caráter, de Richard Sennet, que fala dos vínculos trabalhistas e sociais tênues e sua influência no comportamento humano, um livro sério, o Dr. Romano vem com sua versão pândega. E explica: “No partido de militância não tem mais jornalista, médico e nem nada. Tem o militante que se reporta ao chefe”. Isso, para as muitas luzes do Dr. Romano, corrói o caráter. Olha lá, Brasil! A partir de agora, só se falará em outra coisa!

As pesquisas científicas do Dr. Romano o levaram a constatar, além de tudo, que “90% das ONGs são totalitárias”. Como o mediador William Wack prometeu publicar a fala original do Dr. Romano no site do Instituto Millenium, o mundo aguarda ansioso as fontes empíricas de tão bombástica revelação.

No fim de tudo, na última palestra, o deputado Antonio Pallocci veio confraternizar com aqueles que malharam sem dó seu partido e o governo que integrou até há poucos anos. Para agradar, também criticou o PNDH, no que foi cumprimentado ao final.

Tendências não democráticas
O Fórum do Instituto Millenium, apesar de seu tom folclórico, não é engraçado. Embora seja um direito democrático a organização de toda e qualquer facção política, é forçoso reconhecer que, nesse caso, estas nada têm de democráticas ou plurais. Buscam se articular justamente para evitar reformas democratizantes no país e no setor de comunicação. Um ponto positivo é dado pela seguinte constatação: os monopólios de mídia se desgastaram com o boicote à Confecom. O tema da democratização da comunicação entrou na agenda nacional com força. O seminário é uma gritaria da direita. Sem problemas. O duro é buscarem afirmar seus interesses contra a vontade e as necessidades da maioria da população.

Agradecimento
Este obscuro jornalista agradece sinceramente ao Dr. Roberto Romano pela menção ao texto “Instituto Millenium: toda a democracia que o dinheiro pode comprar!”, feita no calor de suas vibrantes intervenções. Apesar de ele ter recomendado às pessoas taparem o nariz para lê-lo, só posso ficar envaidecido com tão ilustre recomendação. Recibo é sempre bom.

Gilberto Maringoni, jornalista e cartunista, é doutor em História pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de “A Venezuela que se inventa – poder, petróleo e intriga nos tempos de Chávez” (Editora Fundação Perseu Abramo).

(www.cartamaior.com.br)