segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Protestos no mundo árabe

Por João José de Oliveira Negrão

O norte da África, integrante do mundo árabe, vive uma onda sem precedentes de manifestações populares contra ditaduras autocráticas. Há cerca de duas semanas, a movimentação – que começou na Tunísia e se espalhou pelos países vizinhos da Argélia, Egito, Líbano, Jordânia e Iêmen – teve seu primeiro resultado concreto: o ditador tunisiano Zine el Abidine ben Ali deixou o poder depois de 23 anos.

No momento, o maior foco de rebelião se encontra no Egito. Desde o dia 25 passado, protestos de rua já resultaram na morte de mais de cem pessoas e mais de duas mil feridas. Na sexta-feira, na tentativa de manter o controle, o ditador Hosni Mubarak, no poder há 30 anos, anunciou a troca de todos os seus ministros. Ao que tudo indica, a medida não surtiu efeitos, pois as manifestações continuaram com a mesma intensidade.

Há uma série de elementos que se compõem para explicar a onda de protestos. Com maior ou menor intensidade, em cada país árabe, houve um forte deslocamento da população rural para as cidades. Os jovens, que compõem a maioria, tem mais escolaridade que seus pais. No Egito, por exemplo – conforme informou a Folha de S. Paulo ontem –, o analfabetismo chega a quase 40% do total, porém na faixa dos 15 aos 24 anos cai para 10% entre os homens e 18% para as mulheres. Na Tunísia, nesta faixa etária, é de menos de 6% entre os dois sexos. Mas,depois de medidas de liberalização econômica, são estes mesmos jovens que mais sofrem com as altas taxas de desemprego.

A questão que fica, porém, é se as manifestações podem levar à democratização da região, marcada por dinastias autocráticas, muitas com forte componente religioso, ou significarão a simples troca de uma ditadura por outra, de recorte teocrático, como aconteceu no Irã há mais de 30 anos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 31/01/2011)

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Para onde vai o PSDB?

Por João José de Oliveira Negrão

A divisão interna do PSDB não se resolveu. Pelo contrário, acentua-se nos bastidores a contenda entre o “serrismo” e outras forças, dentro e fora do estado de São Paulo. Sem contar questões isoladas, de interesse puramente pessoal, que membros destacados do partido trazem ao cenário – com evidente custo político. Refiro-me ao pedido de aposentadoria retroativa do senador e ex-governador paranaense Álvaro Dias (por algumas horas candidato a vice-presidente na chapa de Serra, antes de ser “limado” e trocado pelo inexpressivo Índio da Costa, do DEM carioca), que pode custar aos cofres do estado, de imediato, cerca de R$ 1,6 milhão, mais R$ 24 mil por mês até o fim da vida de Dias.

Dois veículos, a Carta Capital e a Folha de S. Paulo, trouxeram, no final de semana que passou, referências a esta disputa interna. Na revista, Marcos Coimbra, no artigo “os males do serrismo”, fala da radicalização anti-Dilma da corrente, contra a ideia “da 'colaboração federativa' buscada pelos governadores tucanos e as bancadas afinadas com eles”. O pano de fundo, diz Coimbra, “é posicionar o serrismo (de novo!) para a sucessão de Dilma”. Já na Folha, o repórter Rodrigo Vizeu fala da formação da 'tropa de choque' do senador eleito Aécio Neves, “que trabalhará para ajudá-lo na missão de tomar o PSDB e viabilizar seu nome para 2014”.

Já em agosto de 2008, na eleição municipal, tratei deste assunto aqui neste espaço. Na época, no artigo PSDB: crise e senilidade, já afirmava que “a crise é política e é de projeto. Aquele sopro modernizador do início logo transmudou-se, ao chegar ao poder com FHC, na repetição dos processos de modernização conservadora tão comuns à nossa história. As veleidades social-democratas, a ideia do Estado de Bem Estar Social e as tinturas keynesianas de política econômica foram abandonadas, trocadas pela realpolitik neoliberal então em voga. Em verdade, os princípios social-democratas estão hoje em outras mãos e os tucanos são, tão somente, conservadores tradicionais. Assim, o PSDB envelheceu antes de amadurecer. Para quem tinha, segundo Sérgio Motta, um projeto de 20 anos de poder, a senilidade chegou antes”.

Esta disputa certamente chegará às eleições municipais do ano que vem. Em Sorocaba – onde os tucanos também são rachados – Pannunzio, tradicionalmente, e Lippi, mais recentemente, abraçam o serrismo, enquanto Renato e Maria Lúcia Amary são próximos ao governador Alckmin, o PSDB governa a cidade há 16 anos. Será o fim do ciclo?

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 24/01/2011)

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desastres “naturais”?

Por João José de Oliveira Negrão

Novamente a cena se repete. As chuvas de verão do início do ano (de todos os anos) causam destruição e dor em diferentes cidades brasileiras. Como se fosse reprise, vemos na televisão ilustrações feitas por computador mostrando que na região serrana do Rio a camada de terra que encobre as montanhas rochosas é muito fina (do ponto de vista geológico) e pode se descolar, vindo abaixo.

Em São Paulo não é diferente. Cidades e regiões ficam alagadas por dias a fio, encostas desabam sobre moradias. O resultado, invariavelmente, é a contabilidade macabra de mortos, feridos e desabrigados. E as declarações infelizes de autoridades, culpando a natureza, ou, como o governador Geraldo Alckmin, afirmando que “não é possível fazer obra em 24 horas”, como se ele próprio e o PSDB, hegemônico em São Paulo desde 1983, já não tivessem tido muito mais tempo que isso para eventuais medidas preventivas.

Há pouco de “natural” nestes desastres. Com maior ou menor intensidade, sempre há chuvas fortes neste período. E a ciência já acumulou conhecimento suficiente para evitar ou minorar tais catástrofes, no campo da meteorologia, da geologia ou da geografia, com ferramentas como o georreferenciamento. Sem dúvida, hoje, elas são muito mais resultados da forma excludente com que se ocupa as cidades, colonizadas pela especulação imobiliária. Historicamente, os pobres e excluídos foram jogados para as periferias. A ocupação dos morros começou já na abolição da escravatura, feita sem a necessária – já na época – reforma agrária, que distribuísse terras aos libertos.

O processo se intensificou na modernização conservadora da ditadura militar, cuja economia baseou-se na aceleração da industrialização com arrocho salarial, comprimindo o valor da mão de obra. Isto gerou um rápido êxodo rural e uma urbanização descontrolada, num novo pico a levar os trabalhadores pobres e os excluídos do “milagre brasileiro” para as beiradas das cidades, sem planejamento, sem saneamento, sem controle urbano.

E gerou uma tal cultura de submissão aos interesses do capital imobiliário que hoje parece “natural” que cidadãos pobres – sem capacidade para operar no mercado de moradias – permaneçam localizados nas encostas das periferias, sujeitos a todo tipo de intempéries. Isto ao mesmo tempo em que, conforme mostra pesquisa de poucos meses atrás, há mais residências vazias – a maioria voltada para a especulação – do que famílias necessitadas de um imóvel para morar.

É preciso retomar com vigor o debate sobre uma reforma urbana. Nossas cidades não podem ficar reféns dos interesses do capital imobiliário, o que as leva a fazer vistas grossas sobre ocupações irregulares em áreas de risco como forma de reduzir a pressão pelo direito constitucional de moradia. O mercado, por si só, não vai resolver a questão do direito à habitação com qualidade para todos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 17/01/11, com edição realizada pela redação para adequar o tamanho do texto)

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Voto proporcional

João José de Oliveira Negrão

Em artigos anteriores, falei sobre o voto distrital – que diferentes atores da política nacional têm defendido como o sistema eleitoral mais adequado ao Brasil contemporâneo. Ali, levantei problemas que vejo nesta modalidade: a possibilidade de forças políticas significativas nacionalmente ficarem sem representação e o risco de redução paroquial ao exercício do mandato dos deputados federais.

Hoje, vou falar do sistema proporcional, que é o que temos hoje. Nele, diferentes partidos inscrevem seus candidatos aos cargos eletivos. Na apuração, verifica-se o número de votos que o conjunto da legenda obteve e define-se o número de vagas a que cada partido (ou coligação) terá direito. É o chamado quociente eleitoral. Só depois disso é que se sabe quem está ou não eleito: se o partido ou a coligação tiverem direito, por exemplo, a 20 vagas, serão deputados os 20 mais votados daquele partido ou coligação. É isso que explica o fato de, em repetidas vezes, candidatos com mais votos ficarem de fora enquanto tomam posse outros menos votados.

A grande vantagem do sistema proporcional, num quadro de multipartidarismo como o nosso, é que as câmaras legislativas, nos municípios, nos estados e na União, acabam sendo compostas mais ou menos de acordo com o percentual de votos que cada partido ou coligação vier a ter. Mas também há problemas, especialmente no sistema proporcional com lista aberta, como temos no Brasil. Como cada partido ou coligação pode lançar mais candidatos do que as vagas em disputa, acontece – como vimos na eleição passada – de vários concorrentes do mesmo partido disputarem os votos na mesma cidade ou região. Isto encarece as eleições, abre espaços para o caixa dois e dificulta a criação de uma maior coesão programática dos partidos.

Tais problemas podem ser reduzidos, acredito, pelo sistema proporcional com lista fechada. Mas isso fica para a próxima semana.
João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 03/01/2011)

Voto em lista fechada

Por João José de Oliveira Negrão

Venho tratando, nos meus últimos artigos aqui neste espaço, de diferentes modalidades de votos nas democracias contemporâneas. Já falei do sistema distrital puro, no qual o país (ou o estado) é dividido em vários distritos eleitorais, elegendo, cada distrito, apenas um deputado federal (ou estadual). Fiz referência também ao sistema proporcional, que é o que temos hoje no Brasil. Nele, primeiro se soma a quantidade de votos que cada partido ou coligação teve. Assim, se define o número de vagas a que eles terão direito. Isto feito, serão declarados eleitos os mais votados de cada partido ou coligação. Então, por exemplo, se um partido (ou coligação) tiver direito a 20 vagas, serão os 20 mais votados daquele partido (ou coligação) que assumirão os cargos.

No Brasil, o sistema proporcional é, atualmente, feito com a chamada lista aberta. Nele, cada partido pode lançar tantos candidatos quantos forem as vagas em disputa. Para deputado federal, em São Paulo, cada um pode ter até 70 candidatos. Se houver coligação, este número pode ser ainda maior. Com isso, o que vemos são diversos candidatos, do mesmo partido ou coligação, a garimpar votos em todas as regiões, disputando, inclusive, com seus colegas de partido. Na prática, temos campanhas individualizadas, não partidárias. Tal método encarece enormemente o processo eleitoral e abre espaço para práticas pouco ortodoxas de captação de recursos para as campanhas.

Outra possibilidade do sistema proporcional – que considero o mais adequado para o quadro multipartidário brasileiro – é o voto em lista fechada. Nele, o eleitor não vota em nomes individuais, mas na lista de candidatos apresentada pelos partidos. A lista é predefinida nas convenções partidárias. Se o partido conquistar dez vagas, entram os dez primeiros; se só somar votos suficientes para uma vaga, entra o primeiro da lista.

O sistema proporcional com lista fechada reforça os partidos, exige deles maior conteúdo programático e maior afinidade ideológica. Além disso, serve para acabar com as legendas de aluguel, que vivem de vender tempo de televisão e rádio entre uma eleição e outra. As campanhas serão muito mais baratas e – apenas neste caso – poderiam contar com financiamento público exclusivo, eliminando a prática do caixa 2.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 10/01/2011)