segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Desastres “naturais”?

Por João José de Oliveira Negrão

Novamente a cena se repete. As chuvas de verão do início do ano (de todos os anos) causam destruição e dor em diferentes cidades brasileiras. Como se fosse reprise, vemos na televisão ilustrações feitas por computador mostrando que na região serrana do Rio a camada de terra que encobre as montanhas rochosas é muito fina (do ponto de vista geológico) e pode se descolar, vindo abaixo.

Em São Paulo não é diferente. Cidades e regiões ficam alagadas por dias a fio, encostas desabam sobre moradias. O resultado, invariavelmente, é a contabilidade macabra de mortos, feridos e desabrigados. E as declarações infelizes de autoridades, culpando a natureza, ou, como o governador Geraldo Alckmin, afirmando que “não é possível fazer obra em 24 horas”, como se ele próprio e o PSDB, hegemônico em São Paulo desde 1983, já não tivessem tido muito mais tempo que isso para eventuais medidas preventivas.

Há pouco de “natural” nestes desastres. Com maior ou menor intensidade, sempre há chuvas fortes neste período. E a ciência já acumulou conhecimento suficiente para evitar ou minorar tais catástrofes, no campo da meteorologia, da geologia ou da geografia, com ferramentas como o georreferenciamento. Sem dúvida, hoje, elas são muito mais resultados da forma excludente com que se ocupa as cidades, colonizadas pela especulação imobiliária. Historicamente, os pobres e excluídos foram jogados para as periferias. A ocupação dos morros começou já na abolição da escravatura, feita sem a necessária – já na época – reforma agrária, que distribuísse terras aos libertos.

O processo se intensificou na modernização conservadora da ditadura militar, cuja economia baseou-se na aceleração da industrialização com arrocho salarial, comprimindo o valor da mão de obra. Isto gerou um rápido êxodo rural e uma urbanização descontrolada, num novo pico a levar os trabalhadores pobres e os excluídos do “milagre brasileiro” para as beiradas das cidades, sem planejamento, sem saneamento, sem controle urbano.

E gerou uma tal cultura de submissão aos interesses do capital imobiliário que hoje parece “natural” que cidadãos pobres – sem capacidade para operar no mercado de moradias – permaneçam localizados nas encostas das periferias, sujeitos a todo tipo de intempéries. Isto ao mesmo tempo em que, conforme mostra pesquisa de poucos meses atrás, há mais residências vazias – a maioria voltada para a especulação – do que famílias necessitadas de um imóvel para morar.

É preciso retomar com vigor o debate sobre uma reforma urbana. Nossas cidades não podem ficar reféns dos interesses do capital imobiliário, o que as leva a fazer vistas grossas sobre ocupações irregulares em áreas de risco como forma de reduzir a pressão pelo direito constitucional de moradia. O mercado, por si só, não vai resolver a questão do direito à habitação com qualidade para todos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 17/01/11, com edição realizada pela redação para adequar o tamanho do texto)

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