segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

A privataria tucana


Por João José de Oliveira Negrão

A Privataria Tucana é o título do livro escrito pelo premiado jornalista Amaury Ribeiro Jr. (três prêmios Esso e quatro prêmios Vladimir Herzog de Direitos Humanos) e lançado no final da semana retrasada. Ele trata, principalmente, de negociatas e corrupção durante o grosso do processo de privatização das estatais brasileiras durante o governo FHC. E mira em José Serra, um dos pilotos deste processo, quando ministro do Planejamento. A filha, o genro e um primo do ex-governador, além do ex-tesoureiro de campanhas tucanas e ex-diretor internacional do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio, sofrem pesadas e documentadas acusações. Só de documentos, o livro tem cem páginas.

Fenômeno de vendas, o livro teve sua primeira tiragem, de 15 mil exemplares, esgotada três dias após o lançamento e foi amplamente debatido nas redes sociais. Isso é um fato bastante raro na indústria editorial brasileira, superando best sellers antecedidos de intensa campanha de marketing. Estranhamente, no entanto, os grandes veículos oligopolizados da nossa comunicação simplesmente ignoraram o fato. Folha, Estadão, SBT, Band só foram tratar do assunto cinco ou seis dias após o acontecimento, quando a pressão e a cobrança na internet, contra a omissão, tornaram-se gritantes. As exceções foram a revista Carta Capital número 676, a única que tratou do assunto com a rapidez que merecia, e a Record News.

O mais interessante é a adoção de dois pesos e duas medidas pela nossa grande imprensa. Certas denúncias, quando envolvem membros do governo federal ou dos partidos aliados, são imediatamente trazidas a público, sem maiores cuidados de checagem e apuração. A revista favorável põe a denúncia na capa, o telejornal campeão de audiência cita a revista e o jornalão repercute o assunto. Quando envolvem, no entanto, tucanos paulistas, Serra, FHC ou o governo de São Paulo, todos eles são cheios de cuidados, exigem comprovações (que abundam, no caso do livro de Amaury Jr., em 100 páginas) e fazem questão de “ouvir o outro lado”. Mas ficam muito bravos quando se fala que eles não têm isenção.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 19/12/2011, com o título modificado pela redação para "Novo livro na praça" que, estranhamente, tem o mesmo número de caracteres)

segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Liberdade: de imprensa ou de empresa?

Por João José de Oliveira Negrão

Na semana que passou, dois fatos ligados à comunicação mereceram destaque. Em primeira votação, o Senado aprovou, por 65 votos contra sete, a Proposta de Emenda à Constituição 033, que recria a necessidade de diploma universitário específico para o exercício da profissão de jornalista. A exigência, que vigorava desde 1969, foi derrubada pelo STF em 2009. Agora, a PEC será votada uma segunda vez, ainda no Senado Federal, e enviada para a Câmara dos Deputados.

O mesmo STF também começou a julgar um pedido, encaminhado pelo PTB, que acaba com a classificação indicativa, dispositivo que impede a exibição, em determinados horários, de programas de TV não indicados para crianças. A proposta já tinha quatro votos favoráveis, mas a sessão foi adiada, com pedido de vista feito pelo ministro Joaquim Barbosa e justificado pela necessidade de analisar mais detalhadamente a ação. Junto a Dias Toffoli, ministro relator da proposta, Luiz Fux, Cármen Lucia e Carlos Ayres Britto também votaram pelo fim da classificação indicativa.

Tanto em um caso quanto no outro, o STF acaba favorecendo o interesse explícito dos proprietários dos oligopólios da comunicação brasileira, em detrimento do conjunto da sociedade brasileira. Os argumentos chegam a ser pueris. Quanto aos jornalistas, o STF afirmou que a exigência de formação para o exercício profissional atentava contra a liberdade de expressão, o que não se sustenta, pois a lei nunca impediu que advogados, economistas, médicos, sindicalistas escrevessem artigos para jornais e revistas. Se não havia – e não há – pluralidade maior, é por vontade dos barões de nossa imprensa, não por uma questão profissional dos jornalistas.

Já no segundo caso, da classificação indicativa, conforme Renata Mieli, do Centro de Estudos Barão de Itararé, "sustentar, como fez o ministro Toffoli, mas também Carmen Lúcia e Ayres Britto, que não cabe ao Estado a tutela da família ou, como afirmou a ministra do STF, ‘se a programação não for adequada desliga-se a TV’, é uma forma de ratificar a visão dos concessionários públicos de radiodifusão de que a eles não cabe nenhuma responsabilidade pelo que é veiculado em uma concessão pública”.

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Globais e Belo Monte

Por João José de Oliveira Negrão
 
Um vídeo muito bem produzido, com iluminação correta e sem erros de continuidade, com a participação de mais de uma dezena de atores globais, está causando certa polêmica nas redes sociais. Divulgado pelo movimento Gota D'Água – que tem em seu conselho várias das celebridades globais que aparecem na peça publicitária – o vídeo não quer a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará.
 
É importante tal debate, mas as várias cartas têm de ser postas à mesa. É fato que o Brasil precisa aumentar seu potencial energético, sob risco de não ver sua economia crescer o suficiente para a inclusão dos muitos ainda excluídos. Na balança dos custos ambientais, a energia hidrelétrica é, ainda, uma das menos poluentes e danificadoras. Portanto, discutir a matriz energética é fundamental. As alternativas sugeridas pelos atores – energia eólica e solar – ainda não têm tecnologia de produção energética em grande escala.
 
A sociedade brasileira precisa sempre lembrar do cuidado de não transformar o conservantismo em conservadorismo, que congela as relações sociais exatamente como elas estão dadas no momento. Há demanda real por energia na região norte e no restante do país e não é correto, também, querer impedir as populações de áreas remotas de terem acesso às tecnologias contemporâneas, que demandam energia.
 
Isso não significa dizer que não há nenhum custo ambiental, mesmo que o projeto de Belo Monte tenha tomado providências para mitigar tanto custos ambientais quanto sociais. Mas é preciso levar em conta a relação entre custos e benefícios, os interesses das populações locais – que precisam de eletricidade – e o interesse geral da nação.
 
Os "globais" que fizeram o vídeo que circula na internet abririam mão de conforto tecnológico alimentado pela energia elétrica? Muitos dos que manifestaram apoio a ele nas redes sociais – cujos computadores, smarts e tablets precisam de eletricidade – topam abrir mão deste mesmo conforto? Então, o debate é mais profundo e tem a ver com o padrão de consumo do Ocidente, mas não é justo que queiramos que "outros" deixem de ter o conforto tecnológico que "nós" temos, nem que a economia de determinadas regiões fique exatamente como está, sem poder crescer, por falta de energia

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 21/11/2011)

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Doença e pequenez humana

Por João José de Oliveira Negrão

No sábado retrasado, de maneira clara, sem subterfúgios, foi anunciado que o ex-presidente Lula está com um câncer de laringe. E na semana que passou, parte das redes sociais e da mídia foi invadida por manifestações menores, de gente que, a pretexto de crítica, escarneceu da doença, acusou Lula de não se “tratar pelo SUS”, como se o fato de o ex-presidente possuir um plano de saúde que permite o atendimento pelo hospital Sírio-Libanês fosse um crime de lesa-pátria. Outros, implícita ou explicitamente, manifestaram sua incontida alegria com o sofrimento alheio. 

E que não se pense que a exposição pública do mais obtuso preconceito de classe e de falta de valores humanistas limitou-se a integrantes pouco esclarecidos da nossa sociedade. Não. “Celebridades”, professores universitários, agentes do Estado (como promotores) irmanaram-se no ressentimento mais tacanho. Assim agiram também certos jornalistas e colunistas: Lúcia Hippólito, da rádio CBN, disse que, para Lula, tinha chegado a conta de uma “vida desregrada”.

Felizmente, esta minoria ressentida (e, que fique claro, isto não é ofensa, mas um termo da psicanálise) não representa nem de longe o sentimento geral dos brasileiros, que de maneira geral são solidários. E a oposição oficial, também felizmente, portou-se com maior civilidade, ao menos publicamente. Um dos primeiros a sair em defesa de Lula foi o ex-presidente FHC, que atribui aqueles comentários a “uma espécie de recalque e eu não endosso isso”. Geraldo Alckmin e Roberto Freire, líder do PPS, também manifestaram solidariedade. José Serra, ao que tudo indica, não se manifestou.

Mas, como já disse Tom Zé, a burrice anda na esquerda e anda na direita. Se foi majoritariamente desferida por gente que poderia ser considerada de “direita”, a “campanha” de regojizo pelo câncer de Lula também contou com a participação de quem se considera à “esquerda” do ex-presidente. Igualmente tolas foram certas manifestações – também na internet – retrucando que, se Lula devia tratar-se no SUS, FHC devia abrir mão de aposentadorias maiores que o teto do INSS: uma “resposta” medíocre a uma campanha medíocre, irmanadas, ambas, pela despolitização.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 14/11/2011)

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Higienópolis via Ipanema

Por João José de Oliveira Negrão

A chegada aos governos de partidos e candidatos de extrato popular em parte da América Latina tem publicizado vontades excludentes de setores de nossas sociedades, marcadas historicamente por forte clivagem social. Na Bolívia, por exemplo, presidida por Evo Morales – oriundo de etnia indígena --, já há algum tempo parcela branca da população de Santa Cruz, a província mais rica do país, quer se separar do resto da nação.

No Brasil, o mesmo movimento excludente – se não chega a ser tão radicalizado – também se manifesta no cotidiano. Há meses, foram moradores de Higienópolis, bairro elegante da cidade de São Paulo, que se movimentaram para evitar que uma estação de metrô fosse instalada no local. O medo era que isso trouxesse para a região gente “diferenciada” – leia-se trabalhadores assalariados – que “desfigurassem” o bairro.

Poucas semanas atrás, comerciantes, moradores e síndicos de prédios em Pinheiros entraram na Justiça para evitar que um albergue noturno, já localizado no bairro, se mudasse para um outro imóvel, maior e mais adequado, porque isso iria prejudicá-los. Mas o promotor Maurício Antônio Ribeiro Lopes não só comparou a iniciativa às tomadas na Alemanha nazista, como indeferiu o pedido e enviou os nomes de seis síndicos que assinaram a petição para a Delegacia de Polícia Especializada em Crimes Raciais de Delitos de Intolerância (Decradi). Todos serão alvo de inquérito por intolerância social, prevista na Constituição (art. 5.º, inciso 41).

Agora, seguindo o exemplo de seus “companheiros” de Higienópolis, moradores de Ipanema, no Rio de Janeiro – que tem um dos preços por metro quadrado mais caros do mundo –, também querem evitar a construção de uma estação de metrô na Praça Nossa Senhora da Paz, para não “descaracterizar” o entorno.

É preciso que os segmentos mais avançados e democráticos fiquem atentos a tais movimentos. Não se constrói uma sociedade razoável alimentando-se o ovo da serpente da intolerância e da apartação. Tomara que o exemplo do promotor Maurício Lopes floresça.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 24/10/2011)

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Decadência acelerada

Por João José de Oliveira Negrão

Quando a gente acha que os meios de comunicação tradicionais chegaram ao fundo do poço, eles nos surpreendem e descem ainda mais. Há poucas semanas, a Veja – revista semanal de maior tiragem no Brasil – descreveu os “milagres” conseguidos por obesos, ou simplesmente por quem estava acima do peso, que usaram o remédio Victoza. Acontece que tal medicação é indicada exclusivamente para portadores de diabetes. Houve uma corrida às farmácias e o produto começou a faltar mesmo para aqueles que dele necessitavam de fato. Segundo nota da Anvisa, o uso indiscriminado coloca em risco a saúde, pelos efeitos colaterais: hipoglicemia, dores de cabeça, náuseas, diarreias, risco de pancreatite, desidratação, problemas na função renal e distúrbios na tireoide.

Depois veio o caso do, digamos, “humorista” Rafinha Bastos que – em mais uma da coleção de infâmias e baixarias do CQC – disse que “comeria” a cantora Wanessa Camargo e o filho que ela traz no ventre. Como, desta vez, o alvo da, digamos, piada, não foi um funcionário público de baixo escalão nem morador da periferia – alvo preferencial dos telebarracos – a reação não tardou. Sob o risco de perder patrocinadores de peso, até os colegas de bancada de Bastos, Marcelo Tas e Marcio Luque – exclusivamente neste caso, frise-se – criticaram o, digamos, humorista. O mesmo não aconteceu quando Bastos, num show de stand up, disse que mulher feia devia sentir-se feliz ao ser estuprada.

Agora, temos o caso da TV Correio (repetidora da TV Record na Paraíba) e o apresentador do programa policialesco – como tantos outros – Correio Verdade, Samuel de Paiva Henrique (conhecido pela alcunha de Samuka Duarte), que exibiram um estupro real. Por causa disso, o Ministério Público Federal na Paraíba (MPF) propôs, no dia 6, ação civil pública com pedido de liminar. As cenas, filmadas com o uso de um celular por um comparsa do autor da violência contra uma menor em Bayeux (PB), foram exibidas no programa da última sexta-feira, 30 de setembro.

A sequência de casos, concentrada em tão pouco tempo, fala por si só do circo de horrores que a busca desenfreada por audiência pode fazer. A falta de ética e de bom senso são os maiores inimigos da liberdade de imprensa.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 10/10/2011)


segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Humano é cultura

Por João José de Oliveira Negrão

Em livro clássico, A interpretação das Culturas, o antropólogo Clifford Geertz defende uma tese central: a de que a cultura foi um dado fundamental na conformação do homo sapiens. Para ele, "a cultura, em vez de ser acrescentada, por assim dizer, a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal [porque] entre o padrão cultural, o corpo e o cérebro foi criado um sistema de realimentação (feedback) positiva, no qual cada um modelava o progresso do outro, um sistema no qual a interação entre o uso crescente das ferramentas, a mudança da anatomia da mão e a representação expandida do polegar no córtex é apenas um dos exemplos mais gráficos”.

Para ele, “submetendo-se ao governo de programas simbolicamente mediados para a produção de artefatos, organizando a vida social ou expressando emoções, o homem determinou, embora inconscientemente, os estágios culminantes do seu próprio destino biológico. Literalmente, embora inadvertidamente, ele próprio se criou".

O autor define a cultura como um "conjunto de mecanismos de controle -- planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de computação chamam de 'programas') -- para governar o comportamento". Em consequência disso, ele afirma que o "homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento".

Para Geertz, o homem vive num "hiato de informações", um vazio entre suas informações genéticas e o que ele precisa saber para funcionar, que é preenchido pela sua cultura. "Para obter a informação adicional necessária no sentido de agir, fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais - o fundo acumulado de símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples expressões, instrumentalidade ou correlatos de nossa existência biológica, psicológica e social: eles são seus pré-requisitos". Em função disso, segundo o autor, "a fronteira entre o que é controlado de forma inata e o que é controlado culturalmente no comportamento humano é extremamente mal definida e vacilante".


João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 26/09/2011)

segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Crise tucana e o PT

Por João José de Oliveira Negrão

As entrevistas trazidas neste final de semana pela imprensa local mostram a que grau de desagregação chegou a hegemonia tucana em Sorocaba. O PSDB, que comanda a cidade há décadas e, neste período, conseguiu articular em torno de seu projeto toda a elite sorocabana, aprofunda e consolida o processo de fadiga que deu seus primeiros sinais na eleição municipal passada e se reafirmou em 2012, quando seus então dois deputados federais – Antônio Carlos Pannunzio e Renato Amary – não se reelegeram.

O PSDB não tem uma liderança inquestionável. Seus aspirantes digladiam-se – agora publicamente – para tentar ocupar o espaço conservador que, até hoje, sempre coube à legenda. A crise é tanta que até integrantes menores da direita, que sempre se contentaram com seu papel auxiliar, lançam-se em balões de ensaio para aumentar seu cacife e, quem sabe, firmar-se como aspirante a condutor da hegemonia que se desfaz.

Foi também neste período das últimas décadas que o PT se firmou como a grande força de oposição em Sorocaba, a única capaz de articular uma contra-hegemonia ao domínio das forças da elite tradicional. Mas frente a esta crise e a condições históricas e políticas que talvez nunca lhe tenham sido tão favoráveis na cidade – e que talvez não se repitam –, o Partido dos Trabalhadores ainda não se posicionou claramente, não definiu uma candidatura nem botou seu bloco na rua.

Enquanto o PT não se resolve, o espaço de uma eventual alternativa vai sendo ocupado por um integrante daquele mesmo bloco de forças que sempre comandou a cidade, ainda que formalmente filiado a um partido, o PMDB, da base de apoio do governo Dilma. Assim, corremos o risco de ter mais do mesmo, a velha conciliação por cima, que fala em mudança para que tudo continue como está.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 19/09/2011)

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Mais de um 11 de setembro

Por João José de Oliveira Negrão

Na semana que passou fomos inundados por “especiais”, nos jornais, tevês, revistas, rádios e internet, sobre o atentado ocorrido em 2001, contra as torres gêmeas, nos EUA. Em 11 de setembro daquele ano, mais de duas mil pessoas morreram quando a Al Qaeda, de Bin Laden, jogou dois aviões contra os prédios. A sucessão de imagens não nos deixa esquecer o horror das cenas, nem o grau de desumanidade a que podem chegar os fundamentalismos.

No entanto – e isso, penso, especialmente as tevês não aprofundaram –, não se pode reduzir tal ato à loucura de um único chefe terrorista. Entender as condicionantes da história é a maneira mais eficaz de combater a opção do terror como alternativa de luta política. Os EUA, desde sempre, operaram na lógica do “ditador amigo”, na ideia segundo a qual o “inimigo do nosso inimigo vira amigo”. Foi nesta lógica que os EUA armaram e financiaram Bin Laden para lutar contra o então governo pró-soviético do Afeganistão. A criatura, mais tarde, se voltou contra o criador.

Outro 11 de setembro, de 1973, reforça o apoio que os Estados Unidos deram aos seus ditadores leais. Foi nesta data que morreu Salvador Allende e se consolidou o golpe de estado do general Augusto Pinochet contra o presidente democrático e socialista do Chile, eleito pelo voto popular. Pinochet, com apoio da diplomacia norte-americana, jogaria o avançado país numa das piores ditaduras desta nossa América.

Evidente que não se pode, por tudo isso, justificar a ação terrorista contra populações civis. Mas se não entendermos que as decisões políticas têm consequências de longo prazo, não compreenderemos o motivo, por exemplo, do generalizado antiamericanismo que grassa entre inúmeros povos do mundo. A política externa dos EUA – que mudou pouco sob Obama – é geradora de ódios. Que o digam as crianças palestinas. E esta política, contraditoriamente, foi reforçada com os acontecimentos de 11 de setembro de 2001.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 12/09/2011)

segunda-feira, 5 de setembro de 2011

Atualização e mudança

Por João José de Oliveira Negrão

O congresso do PT encerrado ontem trouxe uma série de novidades auspiciosas para a democracia brasileira. Como hoje – em termos de bancada na Câmara Federal e, segundo pesquisas, na preferência popular – o PT é o maior partido brasileiro, resta torcer para que, por força de atração, outras legendas que de fato importem na política nacional também adotem os mesmos mecanismos avançados.

Os delegados, num encontro voltado exclusivamente para debater questões estatutárias, definiram que já nas próximas renovações das direções, em todos os níveis, haverá paridade de gêneros. Isso quer dizer que homens e mulheres dividirão meio a meio os cargos diretivos do partido. E tem mais: no mínimo 20% destes dirigentes terão de ser jovens com no máximo 30 anos e 20% devem ser negros. Com isto, o PT consegue internalizar processos da dinâmica social contemporânea, nos quais questões de gênero, etnia e idade ganham relevância. Também merece destaque a aprovação da proposta que limita a três consecutivos os mandatos de vereadores, deputados estaduais e deputados federais e a dois os mandatos de senadores.

Em outras oportunidades, já tive a chance de escrever aqui que os grandes atores da democracia e da sociedade contemporânea são os agentes coletivos, não os individuais, em especial os partidos. É cada vez mais fora de propósito a frase que ainda ouvimos muito: “eu escolho o candidato, não importa o partido”. Diferentes estudos, conduzidos, entre outros, pelos cientistas políticos Argelina Figueiredo e Fernando Limongi, ao analisarem as votações nominais ao longo dos anos de 1989 a 1999 e as regras do processo decisório, mostram que existe disciplina partidária no interior da Câmara dos Deputados.

Por isso, é muito salutar para nosso avanço democrático que os partidos, com sua diversidade programática e ideológica, enraízem-se cada vez mais e sejam capazes de ter uma vida orgânica que, se tem seu ponto alto nas eleições, não se resuma a elas. É bom que os partidos produzam debates, projetos de políticas públicas e consigam dialogar com diferentes segmentos da sociedade. Com as mudanças adotadas, o PT sai na frente.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 05/09/2011, com o título "As mudanças no PT"

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Limites do jornalismo

Por João José de Oliveira Negrão

Há limites na busca pela informação? Terão, os jornalistas – como os xerifes dos filmes de faroeste – o direito de atirar primeiro e perguntar depois? Ou serão os jornalistas, como o agente 007, autorizados a “matar”? Quais são os impedimentos, não apenas éticos, mas legais, à ação de jornalistas e veículos de comunicação?

Estas perguntas – que nunca saem de moda entre aqueles preocupados com um jornalismo decente – voltaram a martelar neste final de semana, depois que se revelou que a revista Veja (sempre ela), por meio do repórter Gustavo Ribeiro, tentou invadir um quarto que o ex-ministro José Dirceu ocupa num hotel de Brasília. Primeiro, dizendo-se ocupante do quarto e ter perdido as chaves, Ribeiro tentou convencer a camareira a lhe abrir a porta. Com a recusa, voltou ao hotel mais tarde e, passando-se por um representante a prefeitura de Varginha, tentou novamente ter acesso ao quarto, sempre sem a presença de Dirceu. O hotel registrou a tentativa de violação de domicílio em boletim de ocorrência no 5º Distrito Policial.

A resposta deve ser clara: jornalistas não têm a liberdade de cometer crimes. O recente caso do tabloide inglês News of the World comprova isto: após denúncias comprovadas de que o jornal grampeava celulares de políticos e celebridades, o magnata Rupert Murdoch teve de fechar as portas da publicação.

A editora Abril, empresa que publica a Veja, acaba de contratar, com plenos poderes, o ex-presidente dos bancos Real e Santander, Fábio Barbosa. A dúvida que fica é se, depois de mais de uma década a jogar qualquer resquício de credibilidade e de seriedade pelo ralo, a Veja ainda tem salvação? Acho difícil, pois o título está contaminado.

PS

A assessoria de imprensa da Natura mandou carta ao editor deste Bom Dia, na qual contesta meu artigo Precarização agressiva, que cita pesquisa de doutorado feita na Unicamp, sobre a ausência de relações trabalhistas claras entre as “consultoras” da Natura. Segundo a nota “não é correto afirmar que a Natura mantém precárias relações de trabalho com as consultoras. A relação estabelecida entre as empresas de venda direta e os revendedores é comercial, e não trabalhista. Ou seja, os revendedores compram os produtos da empresa e são livres para revendê-los a sua maneira”. A resposta se prende ao formalismo. As responsáveis fundamentais pela circulação dos produtos Natura e, portanto, pela cristalização dos lucros, são as consultoras, uma vez que a empresa não tem lojas próprias. E elas ficam ao deus-dará, sem proteção jurídica.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 29/08/2011)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Precarização agressiva

Por João José de Oliveira Negrão

A semana que passou foi abalada por duas questões importantes relativas ao mundo do trabalho: a denúncia de escravidão em oficinas têxteis fornecedoras da grife Zara e um estudo, feito na Unicamp, sobre a ausência de relações trabalhistas claras entre as “consultoras” da Natura.

No primeiro caso, uma investigação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) encontrou 15 pessoas, entre as quais um adolescente de apenas 14 anos, em condições degradantes, em duas oficinas, uma na zona norte e outra no centro da capital paulista. O flagrante conclui inspeção iniciada a partir de uma outra fiscalização realizada em Americana (SP), no interior. Na ocasião, 52 trabalhadores foram encontrados em condições degradantes; parte do grupo também costurava calças da Zara.

A marca Zara, do grupo espanhol Inditex, é uma das mais caras e mais sofisticadas do mundo.

Quanto à Natura, a pesquisa "Make up do trabalho: uma empresa e um milhão de revendedoras de cosméticos", para o doutoramento da socióloga Ludmila Costhek Abílio pela Unicamp, mostra que a empresa é um exemplo da exploração do trabalho. Ao mesmo tempo em que transmite a imagem de companhia moderna e comprometida com a preservação ambiental, explora o trabalho informal de aproximadamente 1 milhão de revendedoras, contingente equivalente à população de Campinas (SP), que se expõe a riscos inclusive financeiros numa atividade que raramente é reconhecida pela sociedade como um trabalho.

A pesquisa da Unicamp aborda aspectos relacionados à informalização e precarização do trabalho dentro de um segmento denominado Sistema de Vendas Diretas. A Natura foi escolhida por se tratar de uma empresa brasileira multinacional líder de mercado e de reconhecido sucesso comercial. A marca está presente em sete países da América Latina e também na França.

A precarização das relações do trabalho, que não se restringe aos casos mencionados, é uma das piores heranças – ao lado da crise que abala novamente o mundo – da financeirização da economia mundial e da hegemonia neoliberal que marcou o mundo nas últimas quatro décadas. E precisa ser superada.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 22/08/11)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Pelo Estado laico

Por João José de Oliveira Negrão

No próximo dia 21 de agosto, domingo, a partir das 14h, na Avenida Paulista (metrô Consolação), acontece em São Paulo a Marcha pelo Estado Laico. Os manifestantes vão cobrar que se mantenha uma distinção essencial da democracia republicana contemporânea: a separação entre Estado e Igreja. Mas quando se fala em estado laico, muitas vezes se confunde – de maneira deliberada por alguns – a laicidade com um estado ateu ou antirreligioso. Mas a história mostra exatamente o contrário: a liberdade religiosa e de culto só é plenamente garantida quando não há religião oficial.

No verbete “laicismo” do Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio – que tem edição brasileira publicada pela editora da Universidade de Brasília – lemos que “estado leigo [ou laico] significa o contrário de estado confessional, isto é, daquele Estado que assume, como sua, uma determinada religião e privilegia seus fiéis em relação aos crentes de outras religiões e aos não crentes. É a esta noção de Estado leigo [ou laico] que fazem referência as correntes políticas que defendem a autonomia das instituições públicas e da sociedade civil de toda diretriz emanada do magistério eclesiástico e de toda interferência exercida por organizações confessionais; o regime de separação jurídica entre o Estado e a Igreja; a garantia da liberdade dos cidadãos perante ambos os poderes”.

A laicidade do estado brasileiro, formalmente garantida pela Constituição, sofre pequenos ataques – sempre com as 'melhores intenções' de seus autores – de maneira cotidiana. Ora é a ideia do ensino religioso nas escolas públicas; em outro momento, como aqui em Sorocaba, liberando as igrejas do pagamento de taxas devidas por todas as pessoas físicas e jurídicas. Ou ainda com governadores querendo obrigar o ensino do criacionismo como alternativa 'científica'. A última campanha presidencial deu mostras de como o fundamentalismo religioso – explorado por oportunistas – pode interferir de maneira perniciosa na livre e racional escolha dos cidadãos.

Assim, vem em boa hora esta Marcha pelo Estado Laico. Religiosos esclarecidos, crentes de todas as manifestações religiosas, agnósticos e ateus devem se unir para garantir a democracia e a liberdade, a tão duras penas conquistadas por brasileiros dignos, seguidores de todas as religiões ou de nenhuma delas.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 15/08/2011)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Princípios e realidade

Por João José de Oliveira Negrão

As Organizações Globo, depois de quase um século de existência – o jornal carioca O Globo foi fundado em 1925 – divulgou o documento “Princípios editoriais das Organizações Globo”, que já pode ser encontrado no G1, site do grupo, e foi notícia no Jornal Nacional de sábado.

Genericamente, o documento defende a pluralidade e a laicidade; entre outros tópicos caros à tradição jornalística. A questão é outra: há um sem número de exemplos que mostram que nem sempre – especialmente quando seus interesses correm algum risco – a Globo tem uma prática condizente com aqueles princípios.

Os exemplos são muitos e vem já da formação do conglomerado. O antigo programa jornalístico Amaral Neto Repórter era uma ode à ditadura militar. Em 1982, quando da eleição de Brizola ao governo do Rio de Janeiro, a Globo se envolveu no caso Proconsult, uma tentativa de golpe para melar o resultado das eleições. Em 89, a famosa edição tendenciosa do último debate entre Collor e Lula. Em 94, o mesmo Brizola conseguiu na Justiça um feito histórico: um direito de resposta lido no ar por Cid Moreira.

Agora, conforme denúncia do repórter Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador, a Globo decidiu ir para cima do Ministro da Defesa, Celso Amorim, recém nomeado. “A orientação é muito clara: os pauteiros devem buscar entrevistados – para o JN, Jornal da Globo e Bom dia Brasil – que comprovem a tese de que a escolha de Celso Amorim vai gerar 'turbulência' no meio militar. Os repórteres já recebem a pauta assim, direcionada: o texto final das reportagens deve seguir essa linha. Não há escolha. Trata-se do velho jornalismo praticado na gestão de Ali Kamel: as 'reportagens' devem comprovar as teses que partem da direção”, afirma Vianna, ele mesmo demitido da Globo junto com Luiz Carlos Azenha por se recusarem a aderir a um abaixo-assinado escrito pela direção da emissora, para “defender” a cobertura eleitoral feita pela Globo.

Os “Princípios” são um bom documento, embora tenham algumas poucas afirmações discutíveis dentro das teorias do jornalismo, e servem de referência para veículos, jornalistas e estudantes de jornalismo. Mas precisam ser seguidos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 08/08/2011)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Jornada de trabalho

Por João José de Oliveira Negrão

Parece claro que o processo de automação, de avanço tecnológico e de gestão científica da produção são inevitáveis, embora o ritmo de sua implantação varie de um setor para o outro da economia e de país para país. O sociólogo italiano Angelo Dina afirma que "será indispensável, portanto, enfrentar a possível redução do trabalho socialmente necessário para produzir bens [...]. Isso é necessário para se passar da ótica de limitar os prejuízos àquela de redistribuir as vantagens da possibilidade de produzir mais e sobretudo melhor”.


O pensador André Gorz opera em sentido semelhante, ao propor como estratégia "a reivindicação de uma duração do trabalho na escala de tempo de uma vida e da distribuição por toda vida do rendimento correspondente [que] possibilita a união na luta dos trabalhadores e dos desempregados de todas as idades, do movimento operário e dos novos movimentos sociais".


Mais do que inevitável, o avanço tecnológico na produção traz embutidas possibilidades positivas no sentido de liberar o trabalho humano de atividades insalubres ou excessivamente desgastantes, além de permitir que a quantidade (medida em horas) de trabalho socialmente necessária à produção e reprodução seja cada vez menor. Devemos entender que o avanço da ciência e da técnica são conquistas da humanidade e -- embora ciência e técnica não sejam neutras -- na apropriação de seus benefícios é que se recoloca o conflito entre capital e trabalho.


Para o mundo do trabalho, importa apropriar-se destes benefícios no sentido descrito acima, permitindo aos trabalhadores maior tempo livre. Para o capital, esta apropriação se dá através da busca de mais lucros e da reprodução ampliada do capital, importando pouco se o processo exclui ou não parcelas significativas de trabalhadores. Ciência e técnica, portanto, são mais uma arena onde se desenvolve a luta de classes. Na resolução (sempre parcial) desse conflito no sentido do interesse da maioria está um ponto importante de avaliação do avanço do processo de democratização de cada país.



João José de Oliveira Negrão é jornalista,

doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 01/07/2011)

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Retrocesso nas universidades

Por João José de Oliveira Negrão

Já há alguns anos, o sistema de ensino superior brasileiro vem passando por um processo, conduzido pelo Estado, de aumento de exigências de qualidade. A partir do governo Lula, a esta exigência se somou o aumento de vagas, tanto nas universidades federais quanto privadas, bem como a avaliação se tornou mais rígida.

Agora, no entanto, a Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, seguindo voto do relator Álvaro Dias (PSDB-PR) aprovou um projeto que tira a exigência de que faculdades e universidades tenham, no seu corpo docente, ao menos um terço de mestres e doutores. Esta necessidade foi implantada pela LDB, aprovada há 15 anos. Pelo projeto, os professores poderiam ser apenas graduados, sem nenhum título de pós-graduação.

É um retrocesso, que só interessa aos barões do ensino superior privado que, com isso, poderiam rebaixar os salários pagos aos docentes. O Estadão mostrou que o argumento em que se baseou o senador Álvaro Dias, é o mesmo dos dirigentes de várias escolas particulares. Segundo eles, haveria déficit de docentes titulados em várias áreas. O jornal cita uma destas dirigentes, Ana Maria Souza, da Anhanguera Educacional: "um profissional com experiência tem muito a ensinar, mesmo que não tenha pós-graduação. Por outro lado, há aqueles que terminam a graduação e emendam com o mestrado. Que experiência têm eles para passar?"

O argumento é falacioso. Sem a devida qualificação docente, o ensino piora. Professor que não estuda não é bom professor. Além disso, o País tem 4,7 mil cursos de pós graduação stricto sensu reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) e fiscalizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes).

A intenção, mesmo, é a redução de custos, pois mestres e doutores custam mais. E todo mundo sabe que certas instituições – não só em Sorocaba – têm se utilizado de demissões de professores mais qualificados para rebaixar salários. O problema é que, agora, tal política pode se institucionalizar se esse projeto passar pelo Senado e pela Câmara. Felizmente, o ministro Haddad e a presidenta Dilma já se manifestaram contra ele.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 18/07/2011)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Jornalismo de esgoto

Por João José de Oliveira Negrão

Quem espera seriedade do jornalismo e o cumprimento de sua função social – mais do que mera máquina de fazer dinheiro para seus donos -- pensou que poderia comemorar, ontem, com a última edição do tabloide sensacionalista inglês News of the World. O semanário é uma das piores coisas (e olha que isso não é pouco) que já se produziu no jornalismo mundial.

O jornal, entre outras práticas abjetas e ilegais, costumava grampear telefones de celebridades e até da família real. Já tinha sofrido processos por isto, mas a gota d'água foi o grampo no celular de uma adolescente, Milly Dowler, assassinada em 2002: para poder continuar recebendo mensagens – que gerassem manchetes sensacionalistas --, jornalistas apagaram parte da caixa postal do telefone, que estava cheia, levando a família a crer que a menina, de 13 anos, continuava viva.

O “News”, até ontem, era talvez o maior representante do jornalismo de esgoto. Mas seu fim é ilusão. Como escreveu Alberto Dines, “sua liquidação é falaciosa, vai resumir-se à desativação do título, substituído pelo tabloide coirmão, The Sun, que passará a circular também aos domingos. E ficará muito mais lucrativo porque a News Corporation é a maior especialista mundial em esvaziar as redações de jornalistas”. A megacorporação citada por Dines é de propriedade de Rupert Murdoch, o maior magnata mundial das comunicações.


Entre outros, Murdoch é dono, também, da rede de TV Fox News (que chega ao Brasil via TV paga), do Times e do Sun, na Inglaterra, e do Wall Street Journal e do New York Post, nos Estados Unidos. Sua forma de agir, ao criar impérios midiáticos e praticar assassinato de reputações – prática em menor grau também existente em nosso país --, mostra o quanto são necessários, no Brasil e no mundo, mecanismos de regulação democrática da comunicação.

O tal “quarto poder” não pode ser uma instituição isenta de qualquer forma de controle social, cujas engrenagens opacas girem longe dos olhos dos cidadãos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom  Dia Sorocaba de 11/07/2011)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fundamentalismo tucano

Por João José de Oliveira Negrão

Historicamente, a social-democracia tem sua fundação no final do século 19, quando o Congresso de Gotha funda o partido social democrata alemão. De inspiração marxista, a corrente política, inegavelmente, é filha do Iluminismo que funda a modernidade, ao se opor às explicações mágicas do mundo e afirmar que, através do método correto, o homem pode chegar ao conhecimento da realidade que o cerca, tanto no universo físico quanto social. A modernidade – e por consequência a social-democracia --, portanto, tensiona a cosmovisão anterior, da Idade Média, cujas explicações se baseavam na vontade insondável de Deus. É na modernidade ocidental, também, que vão ganhar corpo e ideia e a prática republicana da marcada distinção entre Estado e Igreja, o chamado laicismo.


Neste nosso século 21, no entanto, os pretensos representantes brasileiros da social-democracia (pretensão altamente questionável do ponto de vista histórico, político e sociológico) parece que querem jogar fora o laicismo. Há cerca de três anos, a deputada estadual da legenda, a sorocabana Maria Lúcia Amary, apresentou um projeto, Deus na escola, que estabelecia o ensino religioso na rede pública estadual. Em boa hora vetado pelo ex-governador José Serra, o projeto – de acordo com intenção manifestada por Maria Lúcia – pode voltar à baila.


Agora, outro tucano, o também deputado estadual Orlando Morando, apresentou projeto de lei (PL 256/11) que obriga a instalação de crucifixos em estabelecimentos de ensino paulistas. Na justificativa, Morando afirma não pretender se “contrapor ao estado laico, mas pensamos sim em manter vivo o símbolo de fé daqueles que habitam o nosso querido Estado de São Paulo”. Apesar da declaração, é evidente a imposição de uma religião sobre as outras e aos cidadãos não crentes.


Mais adiante, Morando afirma que “nossos antepassados nos legaram ensinamentos que devem ser preservados. O jargão 'Deus, Pátria e Família' sintetiza o cerne dos valores que a humanidade deve cultuar de forma permanente, independente de credo ou religião”. O lema lembra imediatamente os brados fascistas, entre outros, da TFP, do franquismo e do pinochetismo.


De filha da modernidade, nossa “social-democracia” caminha célere para a representante do atraso.


João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 04/07/2011)

terça-feira, 21 de junho de 2011

Esquerdas e democracia

Por João José de Oliveira Negrão

Àgnes Heller, filósofa húngara, discípula de Lucáks, afirma, num artigo chamado “Democracia formal e democracia socialista”, publicado no Brasil em 1980, que a democracia formal pode tanto ser a base de uma sociedade capitalista quanto de uma sociedade socialista. Entretanto, adverte, "esse caráter formal não deve ser confundido com o aspecto ilusório ou não autêntico que alguns quiseram lhe atribuir. Ao contrário, a democracia formal representa uma inovação muito importante, que permite assegurar a permanência do caráter democrático de um Estado, do qual ela é a primeira condição indispensável".

Carlos Nelson Coutinho, nessa mesma linha, afirma, no importante livro “A democracia como valor universal”, que "é verdade que muitas liberdades democráticas em sua forma moderna (o princípio da soberania popular, o reconhecimento legal do pluralismo etc.) têm nas revoluções burguesas, ou, mais precisamente, nos amplos movimentos populares que terminaram (mais ou menos involuntariamente) por abrir o espaço político necessário à consolidação e reprodução da economia capitalista, as condições históricas da sua gênese; mas é igualmente verdade que, para o materialismo histórico, não existe identidade mecânica entre gênese e validade".

Mas a democracia não é isenta de problemas. O pensador italiano Norberto Bobbio levanta alguns deles: sobrevivência de oligarquias, do poder invisível e da razão de Estado, sem contar as promessas não cumpridas do ideal democrático, como a educação dos cidadãos e a ampliação dos espaços políticos.

Aceitar a democracia como "regra do jogo" significa, fundamentalmente, acreditar que o socialismo é uma possibilidade e não uma realidade histórica inelutável, inscrita não se sabe por quem no vir a ser da humanidade. Significa também ter em conta as várias possibilidades componentes, num momento histórico determinado, do processo de luta política.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 13/06/2011)

Economia e ideologia

Por João José de Oliveira Negrão

A matéria de capa da revista Época, das Organizações Globo, da semana passada, trouxe de volta um discurso que se supunha superado. Sob o título “Estado Ltda”, a reportagem recupera o eixo central da ideologia neoliberal, que deu o tom na maior parte das políticas econômicas nas duas últimas décadas do século passado. A própria capa – pouco criativa – resgata uma imagem surrada: o estado brasileiro como um elefante a esmagar o cidadão. O texto, a clamar por privatizações, pode ser encontrado no site da revista.

Na abertura, o tom ideológico fica claro na segunda frase: “com a vitória [queda do Muro de Berlim] de um sistema baseado na livre-iniciativa – o capitalismo – sobre outro baseado no planejamento estatal – o socialismo -- , a conclusão era cristalina: o governo deveria limitar ao mínimo a regulação sobre atividades privadas”. O mantra do estado mínimo neoliberal esta aí, com todas as letras.

A revista volta no tempo, a 1989. Tivesse voltado um pouco menos, no entanto -- apenas a 2008/2009 --, veria o resultado do projeto de sociedade por ela defendido: a desregulação estatal, com a consequente falta de controles sobre o capitalismo financeiro, foi a culpada pela maior crise mundial desde o crash da bolsa de Nova York, em 1929. Dela, países como Grécia, Irlanda, Portugal, entre outros, ainda estão pagando o preço.

O projeto democrático popular – uma democracia avançada e includente -- não pode ficar preso na armadilha da dicotomia livre-iniciativa versus planejamento centralizado. Esta democracia pede uma economia mista, na qual convivam um setor estatal, importante e estratégico; um amplo setor de mercado, com sua capacidade de alocação, mas não de distribuição de riquezas; e um setor cooperativado. O eixo organizador desta sociedade não é, no entanto, o mercado ou a economia, mas a política, plenamente socializada.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 20/06/2011)