segunda-feira, 26 de setembro de 2011

Humano é cultura

Por João José de Oliveira Negrão

Em livro clássico, A interpretação das Culturas, o antropólogo Clifford Geertz defende uma tese central: a de que a cultura foi um dado fundamental na conformação do homo sapiens. Para ele, "a cultura, em vez de ser acrescentada, por assim dizer, a um animal acabado ou virtualmente acabado, foi um ingrediente, e um ingrediente essencial, na produção desse mesmo animal [porque] entre o padrão cultural, o corpo e o cérebro foi criado um sistema de realimentação (feedback) positiva, no qual cada um modelava o progresso do outro, um sistema no qual a interação entre o uso crescente das ferramentas, a mudança da anatomia da mão e a representação expandida do polegar no córtex é apenas um dos exemplos mais gráficos”.

Para ele, “submetendo-se ao governo de programas simbolicamente mediados para a produção de artefatos, organizando a vida social ou expressando emoções, o homem determinou, embora inconscientemente, os estágios culminantes do seu próprio destino biológico. Literalmente, embora inadvertidamente, ele próprio se criou".

O autor define a cultura como um "conjunto de mecanismos de controle -- planos, receitas, regras, instruções (o que os engenheiros de computação chamam de 'programas') -- para governar o comportamento". Em consequência disso, ele afirma que o "homem é precisamente o animal mais desesperadamente dependente de tais mecanismos de controle extragenéticos, fora da pele, de tais programas culturais, para ordenar seu comportamento".

Para Geertz, o homem vive num "hiato de informações", um vazio entre suas informações genéticas e o que ele precisa saber para funcionar, que é preenchido pela sua cultura. "Para obter a informação adicional necessária no sentido de agir, fomos forçados a depender cada vez mais de fontes culturais - o fundo acumulado de símbolos significantes. Tais símbolos são, portanto, não apenas simples expressões, instrumentalidade ou correlatos de nossa existência biológica, psicológica e social: eles são seus pré-requisitos". Em função disso, segundo o autor, "a fronteira entre o que é controlado de forma inata e o que é controlado culturalmente no comportamento humano é extremamente mal definida e vacilante".


João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 26/09/2011)

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