terça-feira, 21 de dezembro de 2010

Distorções do voto distrital

Por João José de Oliveira Negrão

Na semana passada, levantei problemas do sistema de voto distrital, que tem defensores numa necessária reforma política: como definir o tamanho de cada distrito (unidade eleitoral que escolhe apenas um candidato) evitando o aumento na distorção da representatividade que hoje já existe? Mostrei que pode acontecer de um deputado federal paulista representar 571.500 habitantes enquanto um de Roraima representaria 52.750.

Além destes números, o voto distrital puro pode trazer o hiperlocalismo das eleições nacionais. Por este sistema, cada distrito elege apenas um representante. Por isso, o eleito, tende a preocupar-se quase exclusivamente com os assuntos específicos de seu distrito (pode ser um conjunto de pequenas cidades ou um conjunto de bairros, nas maiores), transformando-se quase num vereador federal. As grandes questões nacionais, como a política externa, os blocos regionais, a universidade pública, entre outras, correriam o risco de ser secundarizadas no Parlamento e ficar a cargo exclusivo do Executivo.

O sistema distrital também tende a excluir a representação de forças políticas. No sistema proporcional – como o que temos hoje – um partido que tenha 20% dos votos distribuídos nacionalmente, terá, mais ou menos, essa representação na Câmara dos Deputados; no sistema distrital, provavelmente não teria representação alguma.

De maneira geral, nos países onde vigora o voto distrital puro, a tendência é a do bipartidarismo (apenas dois partidos disputam, para valer, as eleições). No Brasil, bipartidarismo lembra dos tempos da ditadura militar, com apenas Arena e MDB. Países que adotam o sistema, como a Inglaterra – onde surgiu uma terceira força importante, o Partido Liberal Democrata, ante os anteriores partidos Conservador e o Trabalhista –, estudam modificá-lo e adotar o sistema proporcional. Voltaremos ao tema.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 20/12/2010)

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Voto distrital puro

Por João José de Oliveira Negrão

A necessidade da reforma política e, consequentemente, do sistema eleitoral, volta à discussão. Neste cenário, surgem propostas já experimentadas em outros países, como é o caso do voto distrital puro, defendido por atores de diferentes partidos. Esta engenharia institucional funciona da seguinte forma, no caso de eleição nacional: o Brasil seria divido em vários “distritos eleitorais” (que não obrigatoriamente seguiriam as divisões geográficas entre as cidades) e cada um deles elegeria um deputado federal. As eleições estaduais e municipais seguem a mesma lógica, mas os distritos eleitorais podem ser outros.

A principal vantagem alegada pelos defensores do sistema é a “proximidade” entre o eleito e os eleitores. Mas há problemas graves na montagem da estrutura. Certamente ninguém proporia um aumento no número de deputados federais. Assim, ficaríamos com os 513 que temos hoje. Vamos supor que sejamos 200 milhões de habitantes, para trabalhar com números redondos. Cada parlamentar representa, então, cerca de 390 mil brasileiros. Seria esta a delimitação de cada distrito eleitoral? Se for, várias cidades terão de se juntar para compor um distrito eleitoral.

Neste caso, São Paulo, com 40 milhões de habitantes, teria 102 distritos e, portanto, 102 deputados; Rondônia, com 1.560.000, seria dividida em quatro distritos e teria quatro parlamentares. E Roraima, com pouco mais de 420 mil moradores, teria apenas um.

Outra possibilidade seria manter a atual representação parlamentar por estado, que implica continuar com a subrepresentação dos mais populosos. SP, com 70 federais no total, tem um deputado para cada grupo de 571.500 habitantes. Rondônia, com oito deputados federais – o mínimo -- teria um por grupo de 195 mil moradores, enquanto Roraima, com os mesmos oito, teria um por grupo de 52.750, quase dez vezes menos que São Paulo. A distorção é evidente.

Nos próximos artigos, voltarei ao tema e tentarei explicar as outras possibilidades, como o voto distrital misto e o voto em lista fechada.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 13-12-2010)

segunda-feira, 6 de dezembro de 2010

Jornalismo e transparência

Por João José de Oliveira Negrão

Dois fatos bem recentes recolocam com força a ideia de que o jornalismo – enquanto fenômeno social – está passando por uma revolução sem precedentes. E o termo é este mesmo: revolução, pois as mudanças não são simplesmente cosméticas, mas institucionais e de paradigmas. Tudo isso tendo por pano de fundo as redes sociais e a internet, que, como suporte tecnológico, contribuem para a emersão de novas relações sociais, que já se vinham desenhando há algum tempo no universo da comunicação social.

O WikiLeaks, site editado por Julian Assange, pautou todos os grandes veículos mundiais ao tornar públicos mais de 250 mil documentos diplomáticos da inteligência dos EUA. Já tinha feito isto antes, quando publicizou documentos sobre a guerra do Iraque. Assange está pagando um preço caro pela audácia: diferentes países têm pressionado os servidores que suportam o WikiLeaks a negarem o acesso à rede mundial. Na semana que passou, o site chegou a ficar algumas horas fora do ar.

Outro fato interessante, na linha desta transformação, foi a força que teve o twitter @avozdacomunidade durante as operações do estado brasileiro contra o tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Operado por garotos (o mais velho com 17 anos), ele contou, pelo lado de dentro das favelas, cada detalhe da tomada da área pelas forças de segurança. Os relatos, curtos como exige o Twitter (até 140 caracteres), poderiam ser caracterizados como puro jornalismo informativo.

Esta mudança não é só no jornalismo, pois implica em alterações significativas no conceito de segredo de Estado. Um dos maiores teóricos contemporâneos da democracia, o italiano Norberto Bobbio, já escreveu que uma das “promessas não cumpridas” do regime democrático é a plena transparência dos atos dos governos e dos estados. Talvez estejamos vendo o limiar do tempo em que tal promessa não poderá mais deixar de ser cumprida.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 06/12/2010)