domingo, 21 de dezembro de 2008

Imprensa e subcelebridades

João José de Oliveira Negrão

Marcelo Silva, 38 anos, ex-policial, morreu supostamente por overdose de cocaína, num quarto de hotel. Para qualquer editor, quando muito isso viraria uma nota, num jornal de circulação nacional, ou uma matéria interna, no caderno policial, de no máximo umas 40 linhas, talvez com direito a chamada de capa na dobra inferior, num jornal local (desde que da cidade onde o fato tivesse acontecido).

Mas a morte de Marcelo Silva ganhou, na semana passada, a capa de duas das principais revistas semanais de “informação”, Veja e Época, além de destaque em outros veículos “sérios”. As revistas e os programas de celebridades, então, não falaram de outra coisa. Até o pretensiosamente intelectualizado Saia Justa, do GNT, dedicou-se ao tema. Qual a diferença entre um Marcelo Silva qualquer, genérico, e este específico? O ex-policial foi casado por alguns meses com uma atriz global, 29 anos mais velha que ele.

O casamento de Suzana Vieira com Silva foi tornado público. Os percalços da relação foram tornados públicos. O fim do casamento foi tornado público. Isso tudo por uma mídia que virou uma indústria de celebridades, subcelebridades e celebridades adjuntas, na qual a distinção entre o jornalismo “sério” e o de “fofocas de vida de artista” é cada vez mais borrada.

Muitos veículos e editores se escudam numa pretensa sabedoria de que “isso é notícia” e que o público tem o “direito” de saber para defender tal decisão editorial. Com isso, liqüefazem o papel histórico do jornalismo na construção da sociedade democrática e, pior do ponto de vista da sobrevivência, abrem mão do futuro, pois os cidadãos estão cada vez mais cansados dessa superficialidade.

A militância midiática neoconservadora

Por Luis Nassif

Publicado pelo Observatório da Imprensa. Reproduzido do blog do autor, 15/12/2008; título original "O Judas da Semana Santa"

Esta semana ocorre em Salvador a XXXVI Reunião do Conselho Mercado Comum e Cúpula de Chefes de Estado do Mercosul. Há um conjunto de temas técnicos relevantes a serem tratados. Segundo a página do Itamarati:
"Entre as iniciativas a serem tratadas na área econômico-comercial, encontram-se a criação do Fundo Mercosul de Garantias para Micro, Pequenas e Médias Empresas e do Fundo de Agricultura Familiar do Mercosul, a eliminação da dupla cobrança da Tarifa Externa Comum e a distribuição da renda aduaneira e o Código Aduaneiro do Mercosul. Está prevista, ainda, a assinatura de acordo comercial preferencial entre o Mercosul e a União Aduaneira da África Austral".

Aí ligo na CBN, na vinda para o trabalho e ouço Lúcia Hipólito falando da encrenca que será essa reunião, porque alguns países latino-americanos defendem a auditoria na dívida externa. E, como o PT defendia essa tese antes de Lula ser eleito, ela não sabe qual será o comportamento do presidente Lula nessa reunião.

Provavelmente confundiu essa reunião com a Cúpula Social dos Povos do Mercosul, uma espécie de reunião paralela dos movimentos sociais, sem nenhuma ingerência na reunião oficial. Mas sempre suas confusões vão em uma direção única.

Há uma crítica conservadora consistente sendo feita a Lula, há intelectuais conservadores respeitados com inúmeros reparos à ação do governo. Mas esse neo-conservadorismo midiático optou pelo caminho mais fácil, do show primário, populista, demagógico, dos quais o luminar maior tem sido Demétrio Magnoli, com análises que têm o brilho de um abajur neon.

Pescadores de irrelevâncias

O país, o mundo em um processo inédito de transformações relevantes, uma avenida de temas contemporâneos a serem explorados. Mas os "cientistas" do show se limitam cotidianamente a criar ficções – o petismo pré-2002, o marxismo, o Foro São Paulo – e, a partir delas, encaixar seu discurso. Lembram muito a piada de um médico que, para qualquer doença, tascava dosagens maciças de um remédio que gerava problemas renais. Alertado para isso, explicou: "É que eu só entendo de doenças renais mesmo. Assim, trago a doença para o meu campo".

Os personagens criticados existem, não tem relevância alguma no quadro político atual, menos ainda no governo e servem para apenas uma coisa: fornecer o álibi para o discurso raso desses comentaristas. E o mise-en-scène é completado com as credenciais acadêmicas dos analistas, que são apresentados como intelectuais, cientistas.

Eles até podem ser, mas em outro canto. Na mídia, fazem parte do grande show de pescar irrelevâncias para sua militância midiática – que não é levada a sério por nenhum intelectual que se preze, seja de esquerda ou conservador.

O uso indevido das concessões de TV

Por Jonas Valente

Também publicado pelo Observatório da Imprensa. Reproduzido do Observatório do Direito à Comunicação, 17/12/2008; título original "Arrendamento de espaço de programação evidencia uso indevido de outorgas de TV"

Ao sintonizar qualquer canal da Rede Bandeirantes no horário nobre, por volta das 21h, será possível ver o Show da Fé, comandado pelo missionário R. R. Soares. O programa da Igreja Internacional da Graça de Deus não é uma produção própria da emissora, tampouco uma produção independente que o grupo adquire pela sua qualidade, mas sim um dos expoentes de um novo fenômeno que vem se tornando uma prática corrente por parte de várias TVs: o arrendamento de espaços na programação.

Segundo dossiê preparado pelo Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social a partir de denúncias produzidas por diversas entidades da sociedade civil [ver "Dossiê reúne denúncias sobre mau uso e gestão irregular de concessões de TV"], este tipo de "negócio" constitui um uso indevido e abusivo das concessões públicas de radiodifusão. "O arrendamento parcial ou total contraria totalmente o espírito da lei", afirma o documento.

A afirmação baseia-se no fato das emissoras estarem tomando para si uma prerrogativa do Estado de conceder a outorga, ou seja, definir quem pode utilizar um canal do espectro eletromagnético (por onde são transmitidos os sinais de rádio e TV) para distribuir uma programação. Com o arrendamento, são as emissoras – e não a União – que decidem quais empresas ou organizações podem acessar parte do tempo do canal cuja exploração foi dada a elas, concessionárias, somente.

Outro problema grave é o fato de uma concessionária fazer uso de um bem público, o espectro eletromagnético, para obter lucros deixando de prover o serviço objeto da concessão, no caso, a programação de TV.

O texto sustenta que o aluguel de espaços na programação deve ser considerado inválido mesmo que não haja uma proibição expressa no arcabouço legal da comunicação social eletrônica. Na avaliação dos signatários do dossiê, a legislação brasileira relativa à concessão de serviços públicos deve ser utilizada como parâmetro para demonstrar a omissão flagrante nas normas específicas que disciplinam a radiodifusão.

"A comparação com as outras concessões públicas – em que a subconcessão só é permitida se prevista no contrato, autorizada pelo poder concedente e antecedida de concorrência pública – nos permite dizer que o silêncio da lei de radiodifusão sobre a matéria não deve ser entendida como um consentimento, mas como uma não autorização", argumentam os autores do documento.

Para ser coerente com a normatização dos serviços públicos, a prática do aluguel de espaço de programação, conclui o dossiê, só poderia ser admitida caso houvesse autorização do Executivo Federal e os locadores fossem escolhidos por meio de uma concorrência pública com normas e critérios rígidos e objetivos.

Ocupação a serviço de Deus

O principal locador de espaços na programação são os grupos religiosos católicos e evangélicos. De acordo com o dossiê entregue pelas entidades, a Rede Bandeirantes repassa 7 horas e 30 minutos de seu tempo diário para a Assembléia de Deus e à Igreja Internacional da Graça de Deus, sendo 5 horas e 30 minutos para a primeira e 2 horas para a segunda. O Canal 21, também do grupo Bandeirantes, recentemente passou a arrendar 22 horas diárias de sua programação à Igreja Mundial do Poder de Deus.

Segundo nota da coluna do jornalista Daniel Castro na Folha de S. Paulo (18/9/2008), a "campeã" do aluguel a igrejas é a Rede TV!, que subloca 58 horas semanais a este tipo de organizações.

A Record aluga seis horas da sua programação à Igreja Universal do Reino de Deus. No entanto, a rede deve ser vista de maneira diferenciada das anteriores, uma vez que é o próprio dirigente máximo da igreja, bispo Edir Macedo, quem decide o que vai ao ar na Record. Ou seja, o arrendamento, neste caso, configura-se como uma trama ainda mais complexa no jogo de burlar a legislação que caracteriza os contratos de aluguel de espaço na TV.

Os retornos obtidos pelas emissoras são bastante altos e contribuem fortemente na cesta de receitas mensais. De acordo com Daniel Castro, o arrendamento do Canal 21 à Igreja Mundial do Poder de Deus deve render R$ 420 milhões nos próximos cinco anos. Já a locação da 5 horas e meia na Band pela Assembléia de Deus custará R$ 336 milhões por quatro anos. Ainda na Band, o espaço alugado por R.R. Soares injeta nos cofres da emissora R$ 5 milhões por mês.

Estado laico, mídia laica?

Para o professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB) e pesquisador da área Venício Lima, além do problema do arrendamento, o aluguel de espaços nas programações de redes por grupos religiosos também coloca dúvidas sobre a legitimidade da presença deste tipo de organização na radiodifusão.

"Um serviço público que, por definição, deve estar `a serviço´ de toda a população, pode continuar a atender interesses particulares de qualquer natureza – inclusive, ou sobretudo, religiosos? Ou, de forma mais direta: se a radiodifusão é um serviço público cuja exploração é concedida pelo Estado (laico), pode esse serviço ser utilizado para proselitismo religioso?", questiona no artigo "Estado laico e radiodifusão religiosa", publicado no Observatório da Imprensa (23/9/2008).

Na avaliação de James Görgen, coordenador do projeto Donos da Mídia, a resposta é negativa. "É flagrante o desrespeito das empresas que loteiam sua grade de programação para a transmissão de programas religiosos ou de televendas em relação ao Regulamento dos Serviços de Radiodifusão (Decreto 52.795/63) e à Constituição Federal de 1988, que prevêem finalidades informativas, educativas, artísticas e culturais para os canais de rádio e TV", diz o pesquisador. E completa: "Portanto, não há previsão de uma finalidade religiosa – seja católica, evangélica ou neopentecostal – para a programação de ambos os serviços. É quase surrealista o fato de existirem vedações a esse conteúdo e mesmo assim termos pelo menos dez redes nacionais de televisão no país dedicadas exclusivamente à transmissão de conteúdo religioso."

Ocupação a serviço das vendas

Outro ente que vem ocupando as grades de programações das emissoras são os grupos que vendem produtos pela televisão. Segundo levantamento realizado pelo Intervozes, coordenado por Diogo Moyses, São Paulo é um dos espaços onde isso ocorre de maneira intensa. A Bandeirantes aluga, aos sábados pela manhã, 3 horas para uma das empresas que realizam este tipo de negócio. Já a TV Gazeta veicula, mediante locação, o programa Best Shop por 2 horas e 30 minutos todas as manhãs e 5 horas e 30 minutos durante as madrugadas.

Mas a emissora com maior incidência é a Mix TV, que ocupa sua grade com os chamados "infomerciais" durante 20h. Em seguida vem a RBI, que arrenda 15 horas para shows de televendas. Na avaliação das entidades signatárias do dossiê, apresentado na audiência sobre renovação das concessões de rádio e TV realizada na Câmara em novembro, a sublocação de espaços para vendas de produtos deve ser entendida como negociação de espaço publicitário.
Neste caso, ele deve ser considerado ao avaliar o limite máximo de 25% do tempo diário para este tipo de conteúdo presente no Regulamento dos Serviços de Radiodifusão. Caso o Ministério das Comunicações tivesse disposição em realizar de fato este tipo de fiscalização, fica evidente o desrespeito a este limite seja daqueles canais que veiculam mais do que 25% do seu tempo com "infomerciais", seja naqueles que ultrapassam o limite somando televendas e anúncios publicitários ordinários.

Na avaliação de Diogo Moyses, os contratos de aluguel de espaços para empresas de televendas incorrem em três ilegalidades: sublocam a grade de programação, extrapolam o limite permitido de publicidade e não cumprem a determinação constitucional de dar prioridade às finalidades culturais, educacionais e informativas. "Além de ilegal, é algo absolutamente imoral", afirma.
Para ele, a difusão cada vez maior deste tipo de prática mostra a ausência crônica de regulamentação e fiscalização nas comunicações brasileiras. "O aluguel da grade de programação das emissoras é um dos maiores símbolos do descontrole absoluto do Estado sobre a exploração do serviço", avalia. "O mais grave é que o Ministério das Comunicações, que deveria fiscalizar as emissoras, finge que não é com ele. Com isso, ser concessionário de radiodifusão, além de um negócio lucrativo, tornou-se extremamente fácil: basta ter obter a outorga e lotear os horários da emissora. Quem não gostaria de ter um negócio desses?", questiona.

À espera de providências

O conjunto de denúncias apresentado na audiência foi protocolado na Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, no Ministério das Comunicações e entregue ao representante do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União presentes ao encontro. Resta saber se, com tão flagrantes desrespeitos e ilegalidades, serão tomadas providências por parte destes órgãos.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O jornalismo e as políticas públicas

Por Felipe Shikama

O período de campanha eleitoral, especialmente nos municípios, pode ser definido como uma espécie de abertura do “mercado de idéias” (e promessas) personificadas em candidatos alinhados a um conjunto amplo de carga ideológica — evidentemente intrínseco a seu respectivo partido político. A partir deste pressuposto é que se assume o elevado grau de importância do papel desempenhado pelo jornalismo numa sociedade democrática contemporânea.

Tão importante quanto a história, a chamada vida pregressa do candidato, e sua conduta ética, os jornais são agentes decisivos “sine qua non” na publicação das explanações dos diversos programas de governo, apresentados pelos concorrentes ao mandato público.

Por meio de sua cobertura, o jornalismo também ocupa papel decisivo para o eleitor, na medida em que é capaz de apontar não apenas quais, mas também de que forma, as intervenções da realidade poderão ser tomadas. Estas tomadas de decisão, construídas principalmente por meio de políticas públicas, e tidas como as mais prioritárias, são desempenhadas a rigor pelo chefe do Executivo.

Na prática, as políticas públicas são ofertas de bens, serviços, programas ou ações dirigidas a determinado público-alvo a fim de garantir a efetividade de afirmações de direitos, sejam eles individuais (civis), políticos, culturais, econômicos ou sociais — esta última, ainda com muito território para ser ocupado.

Neste contexto, uma cobertura eleitoral qualificada por parte dos jornais locais pode contribuir de forma saudável para a elevação dos índices de desenvolvimento humano do município, operando em dois aspectos centrais: por um lado, ao estabelecer o "agendamento" das questões prioritárias e ainda carentes de políticas públicas, e por outro, ao assumir o papel de freios-e-contrapesos, na medida em que fiscaliza, de forma plural, as tomadas de decisão.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Afinal, o que foi e quem o apoiou?

Por Cid Benjamin

Reproduzido do Blog dos Blogs, do jornalista Tales Faria

O jornalista Cid Benjamin foi um dos sequestradores do embaixador norte-americano Charles Elbrick. Aliás, foi ele quem teve a idéia do sequestro, junto com o hoje ministro da Comunicação Social, Franklin Martins. Cid publicou ontem no JB um interessante artigo sobre aqueles anos, no qual afirma que a ditadura militar teve suas alças de sustentação na chamada sociedade civil, e principalmente na imprensa. Veja o texto: (Tales Faria)


"Tornou-se lugar comum dizer que o AI-5 significou um golpe dentro do golpe e abriu caminho para os anos de chumbo da ditadura militar. É a verdade.

Afinal, se para derrubar o presidente João Goulart havia unidade entre os militares golpistas, não havia consenso entre eles sobre o que fazer depois de afastado “o perigo de uma república sindicalista”.

Uns, como Castello Branco, queriam a volta a um regime civil em prazo não muito longo. Seu objetivo era, retirando os militares da linha de frente, marchar para uma democracia restritiva, com “salvaguardas” que impedissem avanços no caminho de reformas democráticas e sociais mais de fundo.

Outros, da autodenominada “linha-dura”, desejavam estender no tempo o regime recém-implantado e aprofundar seu caráter ditatorial e suas características mais brutais.
A edição do AI-5 coroou a vitória da extrema-direita nessa disputa. Quase tão pueril quanto culpar o inexpressivo discurso de Márcio Moreira Alves na Câmara pelo endurecimento do regime seria responsabilizar a resistência estudantil ou as incipientes ações de grupos armados que começavam a se organizar para combater a ditadura. O fechamento teve sua origem dentro do próprio regime.

Culpar os que resistiram à ditadura pelo advento do AI-5 e dos anos de chumbo equivale a responsabilizar os maquis pelas atrocidades das tropas nazistas na França ocupada.
Dito isto, dois aspectos relacionados com a ditadura e o AI-5, em particular, devem ser lembrados.

Primeiro: hoje, quando a questão da tortura volta à cena, por conta do debate acerca da impunidade ou não dos torturadores, é preciso destacar a relação direta do AI-5 com a institucionalização da tortura na ditadura. Ao proibir a concessão de habeas corpus para presos políticos, o regime deu carta branca aos carrascos. Uma vez presa, a pessoa podia ficar incomunicável pelo tempo e nas condições em que o aparelho repressivo determinasse.

Em muitos casos ­ e nem vamos falar aqui dos “desaparecidos” políticos ­ as prisões sequer eram legalizadas imediatamente. Dou meu próprio exemplo: fui preso em 21 de abril de 1970. Mas durante 20 dias permaneci no limbo; a oficialização da prisão deu-se apenas em 11 de maio. E, depois, continuei incomunicável e sujeito a todo tipo de violência no DOI-Codi. Mas aí, pelo menos, já existia oficialmente como preso.

Por isso, nunca é demais repetir: a transformação da tortura em política de Estado só foi possível com o AI-5.

A segunda questão a ser destacada é que a implantação da ditadura e, posteriormente, a edição do AI-5 não foram obras exclusivas dos militares. Que ninguém se iluda: a ditadura militar teve apoio em parcelas da sociedade civil.

Aliás, não é difícil ver que não poderia ser de outro modo. Pela sua dimensão e complexidade, uma sociedade como a brasileira não viveria 21 anos sob uma ditadura se esta não tivesse um mínimo de sustentação fora dos quartéis.

O apoio ao golpe e, posteriormente, à ditadura e ao AI-5 na sociedade civil foi majoritário? Certamente não. Mas existiu.

É importante ressaltar este fato, porque, da forma como a história às vezes é contada, parece que os militares eram como marcianos, ditando regras a um país que, todo ele, aspirava voltar à democracia. Não foi bem assim.

O grande capital, tanto nacional como estrangeiro, o latifúndio e segmentos das camadas médias (estes últimos, é verdade, de forma mais oscilante) tiveram expressivos ganhos materiais e apoiaram decisivamente a ditadura.

Recentes reportagens publicadas na grande imprensa desvendando apoios civis a atos dos militares são positivas ­ afinal, sempre é bom um país se reencontrar com a verdadeira história. Nelas vê-se que, até mesmo entidades respeitadas por sua tradição democrática ­ como OAB e ABI ­ fraquejaram em certos momentos e estenderam a mão aos ditadores.

Mas se é bom destapar este baú, está faltando algo: esclarecer também o papel da grande imprensa. Em sua maior parte, ela apoiou o golpe de 64 e, depois, o AI-5. Aliás, no caso deste último, o velho JB foi uma honrosa exceção, com uma primeira página histórica, editada por Alberto Dines. Por conta do AI-5, ela lembrava que a véspera tinha sido o Dia dos Cegos e apresentava a previsão meteorológica: “tempo negro” e “temperatura sufocante”.

Mas ­ é preciso que se diga ­ na grande imprensa tal comportamento foi exceção. Por isso, lembrar os editoriais dos maiores jornais do país em 14 de dezembro de 1968, o dia seguinte ao AI-5, certamente contribuiria também para a memória nacional."

Aqui em Sorocaba também tivemos editoriais recentes criticando o AI-5 e a ditadura militar. Mas vale a pena conhecer a posição dos nossos jornais locais quando do golpe, em 64, e da decretação do Ato Institucional, em 68. Eles, então, aderiram à quebra da constitucionalidade. (João José de Oliveira Negrão)

Ministério Público contra Rede TV!

Por João José de Oliveira Negrão

Há duas semanas, o Ministério Público Federal entrou com Ação Civil Pública contra a Rede TV! -- requerendo uma indenização por danos morais coletivos de R$ 1,5 milhão --, por conta da cobertura que o “jornalismo” daquele canal de televisão fez do seqüestro da adolescente Eloá Pimentel, assassinada pelo ex-namorado Lindemberg Alves, em Santo André, na Grande São Paulo.

Como foi amplamente divulgado, durante o seqüestro, que durou cerca de 100 horas, a apresentadora e jornalista Sonia Abrão, no programa A tarde é sua, entrevistou, ao vivo, o seqüestrador Alves e sua vítima, Eloá, de apenas 15 anos. Policiais envolvidos no caso e outros especialistas foram unânimes em afirmar que tal intromissão na negociação – feita por um repórter e uma apresentadora sem qualquer qualificação para o processo de negociação em curso – foi altamente prejudicial.

A Rede TV!, como sempre acontece, brandiu a liberdade de expressão para se defender. A assessoria de comunicação do canal considerou “a iniciativa do MPF uma forma velada de censura”. É um escárnio. O que aconteceu não tem nada a ver com o direito à informação, mas tratou-se simplesmente de um oportunismo da Rede TV! na busca de alguns pontinhos de audiência.

A luta histórica pela liberdade de expressão e contra a censura deve ser lembrada, no período em que “comemoramos” os 40 anos do AI-5, que significou o cerceamento de todas as liberdades formais pela ditadura dos generais. E não pode ser reduzida a essa banalização que boa parte dos meios de comunicação querem submetê-la.

sábado, 6 de dezembro de 2008

Terminologia e ideologia: as palavras mudam, mas o preconceito...

Por Felipe Shikama

Para comemorar os 18 anos da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente, a Andi (Agência de Notícias dos Direitos da Infância) lançou o site do projeto "ECA 18 anos". Lá, jornalistas e interessados têm à disposição dezenas de sugestões de pauta, clippings, artigos e textos base relacionados ao marco legal que, em tese, reconhece e assegura as crianças de nosso país como sujeito de Direitos.

Outra categoria disponível no site, bastante interessante aos profissionais da redação, é o “Guia de Cobertura” onde repórteres incumbidos de cobrir pautas relacionadas à infância podem se “armar” rapidamente, e com facilidade, antes de ir às ruas.

Além de importantes dicas de abordagem, extraídas de orientações do Unicef e da Federação Internacional dos Jornalistas (FIJ), o repórter encontra um pequeno glossário com terminologias corretas acerca de verbetes freqüentemente mal empregados quando o assunto é infância, cidadania e garantia dos Direitos Humanos.

Exemplo local
Para verificar o emprego correto ou não de determinadas terminologias em jornais da região — isto é, se vão de encontro as noções apontadas pelo ECA —, realizei uma breve pesquisa, a título de ilustração, no site do jornal Cruzeiro do Sul.

Por meio do buscador embutido na página digitei a palavra "Criança". Excluindo reportagens oriundas de agências de notícias, apareceram títulos afáveis como “Crianças trazem cartão de Natal animado”. Já quando o verbete buscado é "Menor", o ângulo se inverte: “Trabalho de menores terá fiscalização mais rigorosa” foi mais recente.

Conforme o Guia de Cobertura da Andi, o emprego do termo “menor” referindo-se a crianças, moços e moças, adolescentes, jovens, reproduz o reacionário conceito de incapacidade na infância, sendo não só estigmatizante para esta parcela da sociedade quanto discriminatório.

A simples inversão do termo, praticada pelo Cruzeiro, acaba alimentando a velha idéia de que ser “menor” significa não ter dezoito anos e, portanto, não ter capacidades por não ter atingido um estágio de plenitude, isto é, de seus próprios direitos.

A simples comparação pode parecer excesso de preciosismo. Mas é de se perguntar: por que freqüentemente vemos nos jornais a clara distinção no tratamento entre crianças que pertencem a condições sociais opostas na sociedade?

Por que os pequenos leitores do Cruzeirinho, por exemplo, são tratados como crianças, enquanto que crianças pobres, noticiadas em conflitos com a lei ou em privação de liberdade, são classificadas como "menores"?