sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Ainda a reforma política

João José de Oliveira Negrão


A reforma política continua sendo assunto em pauta. E voltou à cena com o pedido da OAB – e provável decisão favorável do STF – que proíbe o financiamento de campanhas pela iniciativa privada. No entanto, há diversos projetos voltados ao tema e são tantos os interesses (legítimos) dos diferentes grupos sociais e políticos, que dificilmente haverá um consenso entre os parlamentares. Fruto de construções históricas, não há sistema eleitoral perfeito. Mas cada um deles atinge de modo diferente os vários atores políticos. Conforme explicou o cientista político Cláudio Couto, “cláusulas de barreira prejudicam partidos pequenos; lista fechada favorece partidos coesos e de forte identidade; 'distritão' favorece os candidatos muito endinheirados”. Assim, fechar uma proposta única não é fácil.

Há diferentes possibilidades colocadas. O sistema proporcional de lista aberta – o modelo atual – estabelece que cada partido ou coligação, dependendo do número de votos que atingir, terá direito a determinado número de vagas, que será preenchido pelos candidatos mais votados do partido ou coligação. No sistema proporcional de lista fechada, o eleitor vota não em um nome, mas na lista preordenada do partido. O 'distritão' acaba com o quociente eleitoral e apenas os mais votados – independente do partido – assumem os cargos. O voto distrital divide o país em distritos eleitorais, com população aproximada, e cada distrito elege apenas um representante. Por fim, o distrital misto mescla a lista fechada com o voto distrital. Nele, o eleitor vota duas vezes, uma na lista de partido e outra num candidato.

Cada sistema tem pretensas vantagens e desvantagens. Qual é o mais benéfico à maioria e à consolidação da democracia deve surgir de uma ampla discussão, que não pode ser encarada como exclusiva de especialistas e deve passar pelo crivo popular.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP


(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 17/12/2013)

terça-feira, 10 de dezembro de 2013

Banir as organizadas

João José de Oliveira Negrão

Nunca tratei de futebol neste espaço, pois não sou especialista na área, embora acompanhe com atenção os campeonatos e torça para o São Paulo. Fui também, na infância e adolescência, um jogador amador pouco acima de pereba. Tive ainda algumas incursões pelo jornalismo esportivo.

Mas as cenas de violência estúpida entre as torcidas de Atlético Paranaense e Vasco, no último domingo, em Joinvile (o Atlético teve de jogar na cidade catarinense para cumprir punição desportiva por causa do comportamento de sua torcida), não podem, simplesmente, integrar a paisagem do futebol brasileiro. E não estou dizendo que os vascaínos foram vítimas: ambas foram culpadas.

Chega de reuniões, acordos sempre descumpridos, soluções tecnológicas mirabolantes. A resposta a tal grau de violência insana tem de ser uma só: banir todas as torcidas organizadas, de todos os times (inclusive as de Sorocaba). Os clubes – ou no mínimo alas de suas diretorias –, que de maneira direta ou indireta, bancam as tais organizadas, tem de assumir sua parcela de responsabilidade e se desvincular completamente destes bandos.

A imprensa esportiva, se sair do chavão e da frase feita, também pode colaborar muito. Podia, por exemplo, começar a produzir séries de reportagens mostrando como e do que vivem os principais dirigentes das tais organizadas, suas ligações nada republicanas e a doação de ingressos a elas – enquanto o torcedor comum paga bem caro por eles – por parte dos times. Não precisamos mais de mesas-redondas, aquelas onde impera o falatório oco. Precisamos de ação. Basta!


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 10/12/2013)

quarta-feira, 4 de dezembro de 2013

STF: certo ou errado?

João José de Oliveira Negrão

O título é uma pegadinha. Não vou comentar o julgamento do chamado “mensalão”, mas tratar da regulamentação profissional dos jornalistas. Em 1969, com nova redação em 1979, foi definido em lei a necessidade da formação superior em curso de Jornalismo (ou Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo) para o exercício de várias funções desta profissão. Desde o início, um segmento influente do setor patronal da mídia mostrou-se contra esta legislação, em muitas situações simplesmente descumprindo a lei.

O debate e as tentativas de burla se estenderam por décadas, até que em 2001, a juíza substituta, Carla Rister, num julgamento de primeira instância, entendeu – atendendo demanda patronal – que a exigência de diploma superior para o exercício do jornalismo seria inconstitucional. Em 2005, a segunda instância, o Tribunal Regional Federal, de SP, reformulou a decisão da juíza e o diploma voltou a ser obrigatório. Em 2009, o STF finalmente julgou o caso e decidiu pela extinção da obrigatoriedade da formação superior para a obtenção do registro profissional. A maioria seguiu o voto do relator Gilmar Mendes.

Porém, em concurso recente, para o cargo Analista Judiciário – Comunicação Social, o próprio STF exige, como requisito, diploma, devidamente registrado, de curso de nível superior de graduação em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo, fornecido por instituição de ensino superior reconhecida pelo MEC, e registro na Delegacia Regional do Trabalho”.
Estará o Supremo correto na sua decisão de 2009 ou na exigência atual?

Como podemos ver, não é apenas no julgamento dos 'mensalões” – o tucano, de Minas Gerais, apesar da antecedência, ainda não entrou em pauta – que o STF é paradoxal em suas decisões.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 04/12/2013)

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Campanhas livres do poder econômico

João José de Oliveira Negrão

A fulanização no debate político já se esgotou. Se não quisermos continuar com este campeonato medonho, cuja disputa é saber se o político A do partido B é mais corrupto que o político C do partido D, temos que ir à raiz do problema.

O modelo atual de financiamento de campanhas é porta de entrada para o festival de distorções e tem de ser mudado. Do jeito que é hoje – cada candidato tendo de buscar recursos para viabilizar os custos de sua campanha eleitoral, seja um concorrente ao Senado ou a uma câmara municipal – , está aberto o caminho para as práticas pouco recomendáveis, mas reais, da política brasileira. Os esquemas de caixa 2 – doação “por fora”, sem declaração à justiça eleitoral –, pelos mais diferentes motivos, estão presentes em cada uma de nossas seguidas eleições.

Esta porta tem de ser fechada. Para isso, é fundamental uma reforma política aprove o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, sem a participação financeira de pessoas jurídicas e limitando drasticamente – ou mesmo proibindo – a de pessoas físicas. Para isso, no entanto, será fundamental, também, abandonar as candidaturas individuais e o voto nominal, assumindo o sistema de voto em lista fechada.

Tal medida, é claro, não consegue por si só eliminar de vez a corrupção. Mas fecha um caminho importante por meio do qual ela se insere nos canais institucionais do País. Também evita que grande parte dos políticos fique refém de favores ao poder econômico, o que distorce a vontade popular e contamina a democracia.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 26/11/2013)



terça-feira, 19 de novembro de 2013

Igualdade na rede


João José de Oliveira Negrão

A proposta do Marco Civil da Internet (PL 2126/11) é o principal item na pauta do Plenário da Câmara dos Deputados de hoje (19). O projeto define a comunicação na rede como um direito e, na verdade, é uma espécie de constituição, de carta de princípios da internet. Ele se baseia em três pontos essenciais: a privacidade, a liberdade de expressão e a neutralidade da rede.

O último aspecto (a neutralidade) é o que tem sido o ponto de disputa: através dele, o Marco Civil garante a todos o acesso ao conjunto de sites, blogs, buscadores, canais de filmes, informações, etc, independente da velocidade de conexão comprada. As empresas de telecomunicações fazem um lobby fortíssimo – capitaneadas pelo deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) – contra isso: elas querem que a comunicação na internet seja tão somente um negócio, sem garantias de direitos. Assim, poderão vender pacotes (como no sistema de tevê paga) que não garantam o pleno acesso ao conjunto da internet.

O Marco Civil foi, talvez, um dos projetos de lei construídos com a maior participação popular desde a redemocratização do Brasil. Entidades e cidadãos puderam opinar, debater, participar de sua construção. Há toda uma estratégia de desinformação, posta em prática pelos defensores das teles, no sentido de identificar o Marco Civil como tentativa de controle, como censura. O caso é exatamente o contrário, pois o PL 2126 tem por escopo a defesa dos direitos da cidadania. Controle, de fato, quem quer fazer são as teles, ao definir quem pode e quem não pode ter acesso ao conjunto da rede.Quem pagar mais, tem tudo; quem não puder, fica com as sobras. Isto não é direito.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP


(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 19/11/2013)



terça-feira, 12 de novembro de 2013

Jango

João José de Oliveira Negrão

Uma das maiores dúvidas da história brasileira começa a ser esclarecida: o ex-presidente João Goulart, deposto pelo golpe militar de Estado em 1964, morreu de causas naturais ou foi assassinado durante seu exílio?

Amanhã (13), haverá a exumação dos restos mortais de Jango, em São Borja (RS). De lá, seguem para Santa Maria (RS), de onde serão transportados para Brasília. O corpo do ex-presidente será recebido com honras de chefe de Estado, com a presença da família e da presidenta Dilma Rousseff. Depois, o corpo seguirá para o Instituto Nacional de Criminalística de Brasília, onde será periciado para verificar a suspeita de que o Jango teria sido envenenado na Argentina.

As suspeitas ganharam corpo depois que um ex-agente de inteligência uruguaio, Mario Neira Barreiro – preso há mais de 10 anos em Charqueadas (presídio de máxima segurança no Rio Grande do Sul) –, declarou, para a Polícia Federal, que Jango foi envenenado. Teriam sido introduzidos comprimidos adulterados entre os que o ex-presidente tomava devido a problema cardíaco. A ação teria contado com o apoio da CIA, através de seu chefe em Montevidéu em 1976, o agente Frederick Latrash e de Sérgio Paranhos Fleury, o caçador de opositores e chefe do antigo DOPS (Departamento de Ordem Política e Social).

A morte de Jango pode ter sido um dos resultados da Operação Condor, uma articulação secreta e ilegal das ditaduras latino-americanas dos anos 70 para monitorar, perseguir e eliminar opositores aos regimes instalados que ainda estivessem no continente. Para João Vicente Goulart, filho do ex-presidente, “parece bastante claro que as ditaduras de Geisel e Videla atuaram em conluio para impedir a realização de uma autópsia, como costuma suceder quando morre qualquer ex-presidente no exterior”, conforme declarou ao site Carta Maior.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 12/11/2013)

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

O curso é de Jornalismo

João José de Oliveira Negrão

Quando foram criados os cursos de Jornalismo – em 1947, através de um convênio entre a Fundação Cásper Líbero e a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de São Bento (PUC-SP), e em 1948, na então Universidade do Brasil, no Rio de Janeiro –, a área possuía relativa autonomia, embora próxima aos cursos de Filosofia.

Em 1948 (já com o avanço da Guerra Fria), em Paris, conferência realizada pela Unesco (então dominada pelos interesses dos EUA) resolveu dedicar atenção especial à formação dos jornalistas do terceiro mundo, pois o jornalismo poderia “agravar, se mal inspirado, os desajustamentos entre grupos, classes e partidos” – como pregava o comunismo soviético – “ou atenuá-los até o ponto de extingui-los, se baseado na boa compreensão dos fatos e na lúcida revelação dos mesmos”, relata o professor Eduardo Meditsch.

É esta preocupação que leva à criação do Ciespal (Centro Internacional de Estudos Superiores de Jornalismo), na Universidade Central de Quito, no Equador, em 1960. Com o golpe de 64, a receita da “modernização conservadora” será plenamente posta em prática na universidade brasileira. No ensino de Jornalismo, a tarefa ficou a cargo de Celso Kelly, formado pelo Ciespal, autor do currículo mínimo imposto a todas as escolas do país.

Em 1965, o Ciespal realiza quatro seminários regionais na América Latina, recomendando a transformação dos cursos de Jornalismo em “institutos de comunicação” ou “ciências da informação coletiva”. Pouco depois, os cursos passaram a se chamar de “comunicação social”, adotando a linguagem padronizada pelo Ciespal para todo o continente.

Agora, com a recente aprovação das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Jornalismo, a área recupera aquela autonomia inicial. Os cursos deverão ser de “Jornalismo” – não mais considerado uma habilitação da Comunicação Social. As instituições têm dois anos para adaptar seus currículos às novas orientações.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 05/11/2013)

Pesquisas e direito à informação

João José de Oliveira Negrão

O senador Luís Henrique da Silveira (PMDB-SC) apresentou Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que visa proibir a divulgação do resultado de pesquisas eleitorais nos dias que antecedem a eleição. O projeto entrou na pauta da Comissão de Constituição e Justiça do Senado e será relatado pelo senador Randolfe Rodrigues (PSOL-AP). O tema é recorrente. Anos atrás, o Supremo Tribunal Federal considerou inconstitucional uma lei do mesmo teor.

O argumento dos defensores da proibição é equivocado e paternalista, ao ver o eleitor como incapaz de decidir seu voto. Pode até acontecer de um eleitor mudar sua opção por causa de pesquisas, por ter uma segunda escolha, o chamado “voto útil”. E isto é direito dele. A decisão do voto é resultado final de todo um feixe de instituições agindo neste sentido, como meios de comunicação, campanhas eleitorais, famílias, escolas, igrejas, grupos sociais de pertencimento, pesquisas eleitorais etc. A informação é essencial para uma escolha racional.

É verdade que pesquisas erram, mas as metodologias de aferição estão cada vez mais sofisticadas, reduzindo a margem de erro. Elas também podem ser manipuladas – ainda mais aquelas feitas por institutos desconhecidos, que surgem da noite para o dia. Para evitar isso, a legislação eleitoral exige que relatórios completos das pesquisas tornadas públicas – com metodologia, amostragem, análises etc – sejam depositados nos cartórios eleitorais e fiquem à disposição de qualquer interessado.

Melhor fariam os senadores e deputados federais se investissem numa reforma política completa e parassem de buscar remendos.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP 

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 29/10/2013)

Biografias

João José de Oliveira Negrão

O assunto voltou a ganhar centralidade, mas desde 2012 está em andamento no STF uma ação movida pela Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL) contra dois artigos do Código Civil, o 20 e o 21, que, na prática, impedem as chamadas biografias não autorizadas pelos biografados ou por seus familiares. Figuras muito conhecidas, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Djavan e Gilberto Gil, articulados pela produtora Paula Lavigne, criaram um movimento chamado Procure Saber, que quer manter a proibição.

Dezenas de artigos – de outros músicos, como Alceu Valença, e de jornalistas/biógrafos, como Mário Magalhães, autor de Marighella, defenderam a plena liberdade de expressão. Programas de TV continuam tratando do tema. O jornal O Globo fez uma boa retrospectiva da polêmica (veja em http://oglobo.globo.com/infograficos/batalha-biografias/ ).

Em síntese, se vingar a vontade do Procure Saber, jornalistas e escritores ficariam limitados a escrever apenas as biografias elogiosas e laudatórias, pois as que, do ponto de vista do biografado ou de seus herdeiros, tivessem passagens consideradas pouco nobres, poderiam ser proibidas. Imaginem alguém depender da autorização da neta de Mussolini para escrever a história do ditador italiano.

A lei já é suficiente para proteger a todos contra calúnias, injúrias ou difamações. Se livros ou reportagens mentirem sobre quem quer que seja, que se abram processos pesados e caros contra editoras, jornais e autores. Mas depois de tanta luta pela democracia, pela liberdade de expressão e contra a censura, este país não pode aceitar a volta sub-reptícia da censura prévia. Chico, Caetano, Djavan etc estão pisando feio no tomate. Devem recuar. Suas histórias de vida (com ou sem biografias autorizadas) merecem que tenham esta grandeza.




João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 22/10/2013)

Notícia: construção social

João José de Oliveira Negrão

A notícia é uma construção social que ajuda a constituir a própria realidade. Isto não quer dizer que as notícias sejam ficção, pois o jornalismo tem por referente o real. Para Stuart Hall, “as notícias são o produto final de um processo complexo que se inicia numa escolha e seleção sistemática de acontecimentos e tópicos de acordo com um conjunto de categorias socialmente construídas”.

Tal processo compõe-se, entre outros, de três aspectos importantes: 1) a organização burocrático-rotineira dos jornais, que vai direcioná-los para certos tipos de acontecimentos de acordo com sua própria estrutura interna – número e ênfase de editorias, de repórteres, correspondentes, setoristas, contratos com agências noticiosas, etc. – que implica na possibilidade ou não de “cobrir” determinados fatos, além de sua própria forma de inserção no campo jornalístico (jornal econômico, esportivo, local, etc.); 2) a estrutura dos valores-notícia (o fora do normal, o inesperado, o trágico e o dramático, etc), que organiza, seleciona e hierarquiza as matérias dentro de categorias prévias (as editorias); e 3) o momento de construção da própria notícia, quando um acontecimento é tornado significativo, a partir de suposições sobre o que é a sociedade e como ela funciona.

Esta pressuposição, para Hall, é a de uma natureza consensual da sociedade. Estes pontos de vista ‘consensuais’ representam a sociedade como se não existissem importantes rupturas culturais ou econômicas, nem importantes conflitos de interesse entre classes e grupos. Assim, as notícias têm um papel importante na construção desta visão, uma vez que o acontecimento é tornado significativo dentro de “mapas de significado” e enquadramentos que incorporam e refletem valores e visões de mundo hegemônicas.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 15/10/2013)

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Fidelidade partidária

João José de Oliveira Negrão

O prazo final para a filiação a um partido – essencial para quem quiser disputar um mandato nas eleições do ano que vem – se encerrou no final de semana passado. Novamente se viu a correria pelo troca-troca partidário. Segundo levantamento da Folha de S. Paulo publicado ontem, 57 deputados mudaram de legenda. O número pode ser ainda maior, pois podem haver mudanças ainda não oficializadas pela Justiça Eleitoral. São mais de 10% dos deputados federais mudando de casa.

Os novos partidos recém-criados já “conquistaram” bancadas expressivas. O Solidariedade, do deputado Paulo Pereira, o Paulinho da Força Sindical, atraiu 21 parlamentares, enquanto o PROS conquistou 16. Houve baixas tanto entre a base de apoio governista quanto na oposição. O PT perdeu um deputado, ficando com uma bancada de 86; o PSDB perdeu quatro e viu sua bancada reduzir-se a 46. O PMDB ganhou um e perdeu seis. Sua bancada, agora, é de 77 parlamentares. A Rede, de Marina Silva, que não conseguiu se organizar, se espalhou por diferentes legendas, a maioria no PSB.

Esta migração é mais um elemento a fortalecer a urgente necessidade de uma reforma política ampla, que não pode se reduzir a remendos feitos aqui e acolá. O instituto da fidelidade partidária tem de ser ampliado, com o voto em lista preordenada. É verdade que, democraticamente, a lei não pode proibir a criação de partidos. Mas torna-se cada vez mais necessária a criação de algum tipo de cláusula de barreira, para evitar que legendas de aluguel, sem base programática ou política, possam se multiplicar, de olho nas verbas do fundo partidário e no bom negócio da venda de apoios em troca do tempo de rádio e TV de que dispõem.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 08/10/2013)


terça-feira, 1 de outubro de 2013

Objetividade no jornalismo

João José de Oliveira Negrão

O conceito de objetividade surgiu no século XIX, herdeiro do positivismo: distinção entre fato e juízo de valor. A separação entre um jornalismo sensacionalista e marrom e um jornalismo sério (com valores da objetividade) foi uma estratégia de legitimação de um tipo de produto dentro de um campo jornalístico em formação.

Aos informadores, caberia refletir objetivamente os fatos, sem interpretações, adjetivações e valorações. Surgem nessa época as técnicas do lide e da pirâmide invertida: a redação impessoal, a ausência de qualificativos, a atribuição das informações às fontes, a apresentação das partes ou das possibilidades em conflito (doutrina do equilíbrio) e o uso de aspas garantiriam a necessária imparcialidade informativa.
Para a obtenção da verdade, não se poderia admitir qualquer introdução de elementos subjetivos na captação e na comunicação dos fatos. O que se busca é fazer crer numa coincidência entre o produto midiático e o real.

Mas a objetividade é inatingível. O fato, que dá a base real da informação, é imprevisto, e a testemunha não é necessariamente um observador experimentado. Esse fato não é suscetível de repetição, ele é único, dificultando que seja retificada uma primeira observação. O observador, por outro lado, ao expor-se a um acontecimento, vai percebê-lo conforme as limitações de seus sentidos e interpretá-lo segundo sua história, opiniões e preferências, das quais é difícil abstrair-se. Esse mesmo crivo de subjetividade está presente no jornalista, na escolha e no contato com o observador-fonte.

Outras forças agem na conformação da notícia, como a organização jornalística, os horários de fechamento e os locais dos acontecimentos, entre outras. Por isso, mais do que objetividade, devemos cobrar do jornalismo a pluralidade.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 01/10/2013)

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Terceirização e fraude

João José de Oliveira Negrão

A Câmara dos Deputados realizou, na semana passada, um debate sobre o Projeto de Lei 4330, do deputado e grande empresário Sandro Mabel (PMDB-GO). Na prática, o projeto abre espaço para a generalização da terceirização da mão-de-obra, pois permitiria às empresas terceirizar até sua atividade-fim. O conjunto das centrais sindicais brasileiras é contra, uma vez que o projeto, se aprovado, jogará por terra o conjunto de direitos trabalhistas duramente conquistado ao longo da história.

Segundo o deputado federal Ricardo Berzoini (PT-SP), ex-ministro do Trabalho, com PL 4330 “está se propondo agora é a interposição fraudulenta de mão de obra daqueles empresários que são desonestos. Do jeito que está, o projeto é inconstitucional”. A categoria dos jornalistas tem visto de perto os danos que tal projeto pode trazer: vários veículos de comunicação têm praticado, de forma irregular, o mecanismo de contratação dos chamados PJ's, ou seja, o trabalhador é obrigado a transformar-se em pessoa jurídica (abrir uma empresa individual) e estabelecer um contrato com o jornal, rádio ou TV. Com isso, ele não tem direito garantido a férias, décimo-terceiro, contribuição para aposentadoria, etc.

Os jornalistas têm sofrido, também, outra irregularidade: a forma de contratação chamada free-lancer fixo (uma contradição). Estas fraudes não são exclusividade de pequenas redações. Recentemente, em vitória importante na Justiça, o Sindicato dos Jornalistas de SP obrigou a editora Abril a contratar legalmente 120 jornalistas que trabalhavam com formas de contrato irregular (PJ's, frilas). Outras empresas – inclusive recentes no mercado – estão insistindo na fraude, recusando-se a garantir direitos trabalhistas de seus funcionários. Os trabalhadores não podem aceitar calados estes ataques a seus direitos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 24/09/2013)

terça-feira, 17 de setembro de 2013

Mais de 40 partidos

João José de Oliveira Negrão


Mais nove siglas estão em processo de criação, correndo contra o tempo, pois o prazo máximo para que possam disputar as eleições do ano que vem termina em 22 dias. A Rede Sustentabilidade, criada para dar sustentação à candidatura presidencial da ex-senadora e ex-ministra Marina Silva, e o Solidariedade, liderado pelo deputado federal e líder da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, são os de maior visibilidade. Mas há outros. Caso todas consigam seu intento, chegaremos a ter em torno de 40 partidos políticos.

Não há, em tese, problemas para a democracia na existência de tantos partidos. No entanto, a legislação brasileira que regula o assunto precisa ser alterada, no bojo de uma cada vez mais necessária reforma política. É essencial uma cláusula de barreira, que estabeleça limites mínimos de representatividade a partir dos quais as legendas teriam acesso a tempo de rádio e televisão e à participação nas cotas do fundo partidário.


Dessa forma, não se proíbe, por lei, a criação de nenhum partido – e esta, sem dúvida, foi a preocupação dos constituintes de 1988, escaldados pelo bipartidarismo forçado imposto pela ditadura militar. Porém, não se pode garantir a siglas sem nenhuma representatividade o acesso a verbas públicas e ao horário eleitoral gratuito. É ele que permitiu a proliferação das legendas de aluguel, que a cada eleição vendem o tempo de TV e rádio a quem pagar mais pelo seu apoio.

Não é preciso muito esforço para se concluir que não há 40 projetos distintos de sociedade para o Brasil, não há 40 ideologias políticas diferentes. É hora de fechar a porta para os oportunistas. Partidos podem, livremente, ser criados, fundidos, recriados. Mas só devem ter acesso às vantagens democráticas se, de fato, comprovarem um grau mínimo de representatividade.



João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 17/09/2013)

terça-feira, 10 de setembro de 2013

Os 11 de setembro

Por João José de Oliveira Negrão

Amanhã é 11 de setembro. Teremos “especiais” sobre o atentado ocorrido em 2001, contra as torres gêmeas, nos EUA. Mais de duas mil pessoas morreram quando a Al Qaeda, de Bin Laden, jogou dois aviões contra os prédios. Não podemos esquecer o horror das cenas, nem o grau de desumanidade a que podem chegar os fundamentalismos.

Mas há 0utro 11 de setembro, este de 1973. Foi nesta data que morreu Salvador Allende e se consolidou o golpe de estado do general Augusto Pinochet contra o presidente democrático e socialista do Chile, eleito pelo voto popular. Pinochet, com apoio da diplomacia norte-americana, jogaria o avançado país numa das piores ditaduras desta nossa América. Há um filme interessante do cineasta Patricio Guzmán, A Batalha do Chile, que mostra as articulações para o golpe. Está no youtube e pode ser encontrado em http://miltoncompolitica.wordpress.com/2013/09/07/cineblog-chile-40-anos-do-golpe-militar-e-do-fim-da-experiencia-do-governo-da-unidade-popular/

E poderemos ter um novo 11 de setembro, agora em 2013: esta prestes a ser definida a invasão norte-americana à Síria, para tentar depor o ditador Bashar al-Assad. De modo unilateral, sem levar em conta decisões da ONU, Obama (que na política externa é muito semelhante aos Bush) só aguarda uma decisão do congresso de seu próprio país para deslocar, mais uma vez, soldados para o oriente médio.


Evidente que não se pode, por tudo isso, justificar a ação contra populações civis. Mas se não entendermos que as decisões políticas têm consequências de longo prazo, não compreenderemos o motivo, por exemplo, do generalizado antiamericanismo que grassa entre inúmeros povos do mundo. A política externa dos EUA é geradora de ódios. E esta política, contraditoriamente, foi reforçada com os acontecimentos de 11 de setembro de 2001.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 10/09/2013)

terça-feira, 3 de setembro de 2013

Compra de votos

João José de Oliveira Negrão

Chegou às livrarias, há poucos dias, um livro-reportagem que resgata um caso recente e escabroso da história política brasileira: a compra de votos – esta efetivamente comprovada, com nomes de quem vendeu e de quem comprou – que resultou na aprovação do projeto de lei que criou a possibilidade de reeleição do então presidente Fernando Henrique Cardoso. Palmério Dória, o autor, de O Príncipe da Privataria, é jornalista da velha guarda, tendo passado por redações da grande imprensa e da imprensa alternativa. É autor também, entre outros, dos livros Honoráveis Bandidos: Um Retrato do Brasil na Era Sarney; A Candidata Que Virou Picolé; e A Guerrilha do Araguaia.

Entre outros tópicos – como o papel desempenhado durante a era FHC por Sérgio Motta, o trator, as sobras de campanha, a falência do Bamerindus e os esquemas das privatizações – Dória entrevista o ex-deputado do Acre Narciso Mendes, o Senhor X, que foi quem gravou, para o repórter Fernando Rodrigues, da Folha de S. Paulo, as conversas que teve com o também ex-deputado pelo PFL do Acre, Ronivon Santiago, nas quais este relata que recebeu R$ 200 mil para votar a favor da reeleição de FHC. Ronivon contou ainda, segundo noticiou a Folha na época, que era de seu conhecimento que outros colegas também venderam seus votos: João Maia, Zila Bezerra, Osmir Lima e Chicão Brígido, todos do Acre. O operador, neste caso da compra, foi o então governador Orleir Cameli.

Leitura indispensável neste momento em que se discute a corrupção no Brasil (com os “negociadores” de ontem tentando fazer o papel de vestais) e a possibilidade do fim do financiamento privado de campanhas, O Príncipe da Privataria traz mais uma série de argumentos a comprovar que já passou da hora de termos o financiamento público exclusivo para as campanhas eleitorais.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais, professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 03/09/2013)

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Brasil precisa de médicos

João José Negrão

A chegada de médicos estrangeiros para trabalhar no Brasil – especialmente os cubanos – tem gerado uma discussão ideológica anacrônica, típica da Guerra Fria, que gera muito mais luz do que calor. Nas redes sociais, pipocam “análises” ultraconservadoras alertando sobre a “infiltração comunista” no país. Ao mesmo tempo, defende-se os médicos cubanos contra o “trabalho escravo”. Quer dizer, os “agentes” são, ao mesmo tempo, pobres coitados que precisam ser defendidos.

Mas a questão é objetiva: médicos brasileiros se recusam a assumir certos postos de trabalho. Aqui mesmo, em Sorocaba – que nem mesmo o mais insensato membro da oposição local chamaria de “grotão” –, vários concursos realizados pela Prefeitura não tiveram suas vagas preenchidas, por falta de interesse dos aprovados em assumir os postos.

O sofisma é grande. Diferentes organizações médicas ora afirmam que os salários são baixos (o que nem sempre é verdadeiro), ora dizem que não há estrutura (como se postos de atendimento primário tivessem de ser superequipados). Também criticam a “má-formação” dos médicos estrangeiros. O paradoxo é que um dos líderes da resistência à contratação dos estrangeiros, o presidente do Sindicato dos Médicos do RS, teve seus dois filhos formados em Cuba, que tem, neste momento, mais de 17 mil médicos trabalhando em diferentes países.

O dado real é que há centenas de cidades e bairros periféricos sem médicos, cuja população é tão portadora de direitos quanto qualquer morador dos grandes centros. Por isso, quem precisa mesmo de médicos, quem não suporta mais ter de se deslocar por quilômetros e esperar meses por uma consulta, considera bem-vindos os estrangeiros.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 27/08/2013)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Jornal impresso em queda

João José Negrão

A Fundação Perseu Abramo apresentou na última sexta-feira (16) o resultado de uma pesquisa realizada com 2.400 pessoas acima dos 16 anos, que vivem em áreas urbanas e rurais de 120 municípios distribuídos nas cinco regiões do Brasil. Alguns dados mostram a velocidade da mudança de hábitos culturais – pelo menos no aspecto relativo à informação: a Internet vem ganhando a preferência da população como veículo para se informar sobre a cidade, o Brasil e o mundo e já empata (ambos têm 43%) com os jornais impressos, em meio habitual de informação.

Sobre a televisão, há desconhecimentos: a maioria dos entrevistados não sabe que os canais são concessão pública. “Para 60% são empresas de propriedade privada, como qualquer outro negócio”, acrescentou, durante a apresentação, o sociólogo Gustavo Venturi, coordenador da pesquisa. “Mesmo assim, 71% da população são favoráveis a que haja mais regras para se definir a programação veiculada”, destacou.

Outros elementos permitem afirmar esta mudança de paradigma. Nos últimos anos, houve a ascensão da chamada classe C e o consumo da quase totalidade dos produtos – de iogurte a frango, de automóveis a tevês de plasma e computadores. Mas a tiragem dos grandes jornais e revistas brasileiros não acompanhou tal movimento. Pelo contrário, tem hoje menos exemplares em circulação que há 20 ou 30 anos.

Assim, é possível afirmar que o jornalismo impresso encontra-se em uma encruzilhada: se não achar um modo de se firmar, vai perder cada vez mais importância como elemento significativo na conformação da opinião pública e da cultura no país. Particularmente, não creio que o processo já desencadeado se reverterá.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp e na Pós-Graduação em Jornalismo da PUC-SP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba em 20/08/2013)

terça-feira, 13 de agosto de 2013

Fim da História durou pouco

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Poder Judiciário quer punir sociólogo

João José Negrão

Conheci o professor e cientista político Aldo Fornazieri no início dos anos 90, quando fiz pós-graduação em Política na Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Hoje, Aldo é diretor da instituição. No final de agosto, ele deu uma entrevista ao Estadão – jornal onde também costuma colaborar com artigos e análises – com críticas ao Poder Judiciário, “tão corrupto quanto os outros dois poderes”, disse Fornazieri.  O cientista político citou o caso específico do Tribunal de Justiça de SP, “envolvido com denúncias fortes, divulgadas na semana passada [retrasada], sobre o pagamento de benesses indevidas, com desvio de milhões de reais”. Fornazieri frisou ainda que “os escândalos do Judiciário não têm tanto destaque na mídia quanto os do Legislativo e do Executivo”.

É importante destacar que Aldo não fez acusações a ninguém, apenas se apoiou, em sua análise, em matérias divulgadas pelos jornais, inclusive o Estadão, a quem ele estava falando. Pois bem, qual foi a atitude do Presidente do Tribunal de Justiça de SP, desembargador Ivan Sartori? Interpelar judicialmente o professor e o jornal. Segundo Sartori, Aldo também será alvo de queixa-crime.

O fato só reforça a necessidade que o país tem de mais transparência nas suas instituições. E a certeza de que o Judiciário é o poder mais opaco da nossa República, com poucos, ou nenhum, mecanismos de controle externo. No Executivo e no Legislativo, bem ou mal, os detentores se submetem ao voto popular, que pode ou não permitir que eles continuem. No Judiciário, o único controle é o exercido pelo Conselho Nacional de Justiça, um órgão de autorregulação, pois é composto exclusivamente por integrantes do próprio Judiciário.

O Brasil avançou, nas últimas décadas, em questões sociais, econômicas e políticas. Nossa democracia, cada vez mais consolidada, não pode mais conviver com poderes de Estado autorreferentes. É preciso ampliar a transparência do Judiciário.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 06/08/13)

quarta-feira, 31 de julho de 2013

Crise fabricada

João José Negrão

Boa parte do jornalismo econômico – em especial aquele praticado nas tevês – tem, de certa maneira, criado um clima de que a economia brasileira vai mal das pernas. Para isso, se apega a variações das bolsas de valores (que não refletem exclusivamente sintomas da economia nacional, mas também da economia europeia e norte-americana, que enfrentam problemas) ou amplifica dados irrelevantes, como a variação de 0,2% (isso mesmo) da taxa de desemprego comprada de junho de 2012 com junho de 2013. Era 5,8% no ano passado e chegou a 6%. Este índice, segundo diferentes economistas, significa pleno emprego.

Outros números mostram que há uma tentativa de fabricação de crise. O crédito imobiliário, no primeiro semestre de 2013, teve uma elevação de 34%, chegando a R$ 49,6 bilhões. Os dados são da Abecip (Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança). No mesmo período, os depósitos em poupança bateram o recorde histórico, com mais de R$ 28 bilhões positivos (depósitos menos saques), quase o dobro do recorde anterior, de 2012. Também a inadimplência de junho foi a menor registrada nos últimos 18 meses.

Também significativo é o crescimento dos investimentos publicitários. Segundo o Ibope Media, eles cresceram 19% neste primeiro semestre, saindo de R$ 43,84 bilhões em 2012 para R$ 52,03 bilhões agora. Quem é do meio sabe que, nos sinais de uma crise real, um dos primeiros investimentos cortados pelos empresários é a publicidade.

É hora de o nosso jornalismo econômico olhar mais a economia real, produtiva e parar de ouvir sempre as mesmas fontes ligadas ao mundo financeiro. O ex-ministro Maílson da Nóbrega, por exemplo, é uma destas figurinhas carimbadas. Parece que se esquecem que, com ele à frente da Economia, no governo Sarney, a inflação chegou a 89% ao mês.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 30/07/2013)

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Financiamento público

João José Negrão

Mais corrupção pesada. O Fantástico de domingo passado (13/7) mostrou uma operação da Polícia Federal, a Operação Apocalipse, que desvendou um esquema de traficantes de drogas com vereadores e deputados estaduais em Rondônia. A trama envolvia dinheiro para campanhas em troca de favores e cargos nas assessorias. Até um acordo registrado em cartório entre uma deputada e um traficante veio à tona. Certamente o envolvimento do crime organizado com o financiamento de campanhas políticas não se restringe a Rondônia.

O modelo atual de financiamento de campanhas é porta de entrada para estas distorções. Do jeito que é hoje, como cada candidato tem de buscar recursos para viabilizar os custos de sua campanha eleitoral, seja um concorrente ao Senado ou a uma câmara municipal, está aberto o caminho para práticas pouco recomendáveis, mas reais, da política brasileira. Os esquemas de caixa 2 – doação “por fora”, sem declaração à justiça eleitoral –, pelos mais diferentes motivos, estão presentes em cada uma de nossas seguidas eleições.

Esta porta tem de ser fechada. Para isso, é fundamental que a reforma política aprove o financiamento público exclusivo das campanhas eleitorais, sem a participação financeira de pessoas jurídicas e limitando drasticamente – ou mesmo proibindo – a de pessoas físicas. Para isso, no entanto, será fundamental, também, abandonar as candidaturas individuais e o voto nominal, assumindo o sistema de voto em lista fechada.

Tal medida, é claro, não consegue por si só eliminar de vez a corrupção. Mas fecha um caminho importante por meio do qual ela se insere nos canais institucionais do País.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 16/07/13)

Análise do voto em lista

João José Negrão

O sistema de voto que temos hoje no Brasil é o proporcional. Nele, primeiro se soma a quantidade de votos que cada partido ou coligação teve. Dessa forma se define o número de vagas a que eles terão direito. Isto feito, serão declarados eleitos os mais votados de cada partido ou coligação. Então, por exemplo, se um partido (ou coligação) tiver direito a 20 vagas, serão os 20 mais votados daquele partido (ou coligação) que assumirão os cargos. Assim, cada partido terá, nas câmaras legislativas, uma representação mais ou menos equivalente ao total de votos conquistados.

O sistema proporcional é, aqui, feito com a chamada lista aberta. Nele, cada partido pode lançar tantos candidatos quantos forem as vagas em disputa. Para deputado federal, em São Paulo, cada um pode ter até 70 candidatos. Se houver coligação, este número pode ser ainda maior. Com isso, o que vemos são diversos candidatos, do mesmo partido ou coligação, a garimpar votos em todas as regiões, disputando, inclusive, com seus colegas de partido. Na prática, temos campanhas individualizadas, não partidárias. Tal método encarece enormemente o processo eleitoral e abre espaço para práticas pouco ortodoxas de captação de recursos para as campanhas.

Outra possibilidade do sistema proporcional – que considero o mais adequado para o quadro multipartidário brasileiro – é o voto em lista preordenada. Nele, o eleitor não vota em nomes individuais, mas na lista de candidatos apresentada pelos partidos. A lista é predefinida nas convenções partidárias. Se o partido conquistar dez vagas, entram os dez primeiros; se só somar votos suficientes para uma vaga, entra o primeiro da lista.

O sistema proporcional com lista preordenada reforça os partidos, exige deles maior conteúdo programático e maior afinidade ideológica. Além disso, serve para acabar com as legendas de aluguel, que vivem de vender tempo de televisão e rádio entre uma eleição e outra. As campanhas serão muito mais baratas e – apenas neste caso – poderiam contar com financiamento público exclusivo, eliminando a prática do caixa 2.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 23/07/2013)

quarta-feira, 10 de julho de 2013

Reformar a política

João José de Oliveira Negrão

A CUT, o PT e várias outras entidades dos movimentos sindicais e populares deram início à coleta de assinaturas para apresentar ao Congresso Nacional um projeto de iniciativa popular relativo à reforma política. Serão necessárias cerca de 1,5 milhão de assinaturas, acompanhadas de endereço e número do título de eleitor, para que ele possa ser apresentado e tramitar nas comissões das duas casas.

Segundo o texto do abaixo-assinado, o objetivo da proposta é alterar o sistema político eleitoral, instalando quatro medidas básicas: 1. Instituir o financiamento público exclusivo de campanhas eleitorais; 2. Voto em lista partidária preordenada (voto em lista fechada); 3. Aumento compulsório da participação feminina nas candidaturas; e 4. Convocação de Assembleia Constituinte exclusiva sobre a reforma política.

O financiamento público exclusivo ajuda a inibir a corrupção (a famosa caixa 2), reduz a influência do poder econômico e reduz os custos das campanhas. A lista preordenada, segundo a qual o eleitor vota no partido e não mais num candidato individual, garante a fidelidade partidária e pode ajudar a reduzir o peso das legendas de aluguel, além de contribuir, também, para o barateamento das campanhas. O aumento das candidaturas femininas vai colaborar para ampliar a democratização da representação política, enquanto a Assembleia Constituinte exclusiva poderá construir uma reforma política digna do nome, já que é difícil que a maioria dos parlamentares – beneficiária das práticas em vigor – queira modificar profundamente nosso sistema político.

As entidades estarão nas ruas, escolas e sindicatos para coletar as assinaturas. Os formulários podem ser encontrados, entre outros locais, em http://www.cutsp.org.br/noticias/Abaixo_assinado___Reforma_Politica.pdf

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no CEUNSP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 21/05/13)

Democracia na Comunicação

João José de Oliveira Negrão

Na semana passada, tratei aqui neste espaço da coleta de assinaturas que está sendo feita para a Lei de Iniciativa Popular que trata da reforma política. Hoje, vou tratar de proposta parecida, o projeto de Lei de Inciativa Popular da Mídia Democrática. A possibilidade deste tipo de projetos de lei é um dos maiores avanços democráticos advindos da Constituição de 1988.

Não haverá ampliação da democracia se não conseguirmos democratizar a comunicação no Brasil. Segundo o estudo Donos da Mídia há, no país, 41 grupos que controlam 551 veículos e 70% das informações que a nossa mídia divulga estão concentradas nas mãos de apenas seis famílias, que controlam os grandes oligopólios da comunicação. No caso da TV, conforme dados de 2010, a Globo controla 342 emissoras e retransmissoras; o SBT, 195; a Band, 166; e a Record, 142. Estes conglomerados – ao lado de alguns outros, como a Abril, o Estado de S. Paulo e a Folha de S. Paulo – se ramificam em jornais, rádios, revistas e portais.

Por isso, o projeto que as entidades que promovem a coleta de assinaturas defendem destaca pontos como a necessidade da regulamentação do capítulo relativo à Comunicação da Constituição de 1988, em bases que garantam a liberdade de expressão e a diversidade de ideias; a democracia, ao impedir que políticos sejam donos de emissoras de rádio e TV; a diversidade e o emprego, ao garantir a produção de conteúdos regionais; e a pluralidade, ao combater o monopólio e impedir a propriedade cruzada (numa cidade ou região, o mesmo grupo fica impedido de possuir emissoras de TV, rádios, jornais, revistas e portais), estimular a competição no setor privado e garantir a existência de 33% de canais públicos.

O abaixo-assinado pode ser encontrado em www.cutsp.org.br

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor no CEUNSP

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 28/05/13)