segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Higienópolis via Ipanema

Por João José de Oliveira Negrão

A chegada aos governos de partidos e candidatos de extrato popular em parte da América Latina tem publicizado vontades excludentes de setores de nossas sociedades, marcadas historicamente por forte clivagem social. Na Bolívia, por exemplo, presidida por Evo Morales – oriundo de etnia indígena --, já há algum tempo parcela branca da população de Santa Cruz, a província mais rica do país, quer se separar do resto da nação.

No Brasil, o mesmo movimento excludente – se não chega a ser tão radicalizado – também se manifesta no cotidiano. Há meses, foram moradores de Higienópolis, bairro elegante da cidade de São Paulo, que se movimentaram para evitar que uma estação de metrô fosse instalada no local. O medo era que isso trouxesse para a região gente “diferenciada” – leia-se trabalhadores assalariados – que “desfigurassem” o bairro.

Poucas semanas atrás, comerciantes, moradores e síndicos de prédios em Pinheiros entraram na Justiça para evitar que um albergue noturno, já localizado no bairro, se mudasse para um outro imóvel, maior e mais adequado, porque isso iria prejudicá-los. Mas o promotor Maurício Antônio Ribeiro Lopes não só comparou a iniciativa às tomadas na Alemanha nazista, como indeferiu o pedido e enviou os nomes de seis síndicos que assinaram a petição para a Delegacia de Polícia Especializada em Crimes Raciais de Delitos de Intolerância (Decradi). Todos serão alvo de inquérito por intolerância social, prevista na Constituição (art. 5.º, inciso 41).

Agora, seguindo o exemplo de seus “companheiros” de Higienópolis, moradores de Ipanema, no Rio de Janeiro – que tem um dos preços por metro quadrado mais caros do mundo –, também querem evitar a construção de uma estação de metrô na Praça Nossa Senhora da Paz, para não “descaracterizar” o entorno.

É preciso que os segmentos mais avançados e democráticos fiquem atentos a tais movimentos. Não se constrói uma sociedade razoável alimentando-se o ovo da serpente da intolerância e da apartação. Tomara que o exemplo do promotor Maurício Lopes floresça.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 24/10/2011)

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