segunda-feira, 18 de julho de 2011

Retrocesso nas universidades

Por João José de Oliveira Negrão

Já há alguns anos, o sistema de ensino superior brasileiro vem passando por um processo, conduzido pelo Estado, de aumento de exigências de qualidade. A partir do governo Lula, a esta exigência se somou o aumento de vagas, tanto nas universidades federais quanto privadas, bem como a avaliação se tornou mais rígida.

Agora, no entanto, a Comissão de Educação, Cultura e Esportes do Senado, seguindo voto do relator Álvaro Dias (PSDB-PR) aprovou um projeto que tira a exigência de que faculdades e universidades tenham, no seu corpo docente, ao menos um terço de mestres e doutores. Esta necessidade foi implantada pela LDB, aprovada há 15 anos. Pelo projeto, os professores poderiam ser apenas graduados, sem nenhum título de pós-graduação.

É um retrocesso, que só interessa aos barões do ensino superior privado que, com isso, poderiam rebaixar os salários pagos aos docentes. O Estadão mostrou que o argumento em que se baseou o senador Álvaro Dias, é o mesmo dos dirigentes de várias escolas particulares. Segundo eles, haveria déficit de docentes titulados em várias áreas. O jornal cita uma destas dirigentes, Ana Maria Souza, da Anhanguera Educacional: "um profissional com experiência tem muito a ensinar, mesmo que não tenha pós-graduação. Por outro lado, há aqueles que terminam a graduação e emendam com o mestrado. Que experiência têm eles para passar?"

O argumento é falacioso. Sem a devida qualificação docente, o ensino piora. Professor que não estuda não é bom professor. Além disso, o País tem 4,7 mil cursos de pós graduação stricto sensu reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) e fiscalizados pela Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (Capes).

A intenção, mesmo, é a redução de custos, pois mestres e doutores custam mais. E todo mundo sabe que certas instituições – não só em Sorocaba – têm se utilizado de demissões de professores mais qualificados para rebaixar salários. O problema é que, agora, tal política pode se institucionalizar se esse projeto passar pelo Senado e pela Câmara. Felizmente, o ministro Haddad e a presidenta Dilma já se manifestaram contra ele.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 18/07/2011)

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Jornalismo de esgoto

Por João José de Oliveira Negrão

Quem espera seriedade do jornalismo e o cumprimento de sua função social – mais do que mera máquina de fazer dinheiro para seus donos -- pensou que poderia comemorar, ontem, com a última edição do tabloide sensacionalista inglês News of the World. O semanário é uma das piores coisas (e olha que isso não é pouco) que já se produziu no jornalismo mundial.

O jornal, entre outras práticas abjetas e ilegais, costumava grampear telefones de celebridades e até da família real. Já tinha sofrido processos por isto, mas a gota d'água foi o grampo no celular de uma adolescente, Milly Dowler, assassinada em 2002: para poder continuar recebendo mensagens – que gerassem manchetes sensacionalistas --, jornalistas apagaram parte da caixa postal do telefone, que estava cheia, levando a família a crer que a menina, de 13 anos, continuava viva.

O “News”, até ontem, era talvez o maior representante do jornalismo de esgoto. Mas seu fim é ilusão. Como escreveu Alberto Dines, “sua liquidação é falaciosa, vai resumir-se à desativação do título, substituído pelo tabloide coirmão, The Sun, que passará a circular também aos domingos. E ficará muito mais lucrativo porque a News Corporation é a maior especialista mundial em esvaziar as redações de jornalistas”. A megacorporação citada por Dines é de propriedade de Rupert Murdoch, o maior magnata mundial das comunicações.


Entre outros, Murdoch é dono, também, da rede de TV Fox News (que chega ao Brasil via TV paga), do Times e do Sun, na Inglaterra, e do Wall Street Journal e do New York Post, nos Estados Unidos. Sua forma de agir, ao criar impérios midiáticos e praticar assassinato de reputações – prática em menor grau também existente em nosso país --, mostra o quanto são necessários, no Brasil e no mundo, mecanismos de regulação democrática da comunicação.

O tal “quarto poder” não pode ser uma instituição isenta de qualquer forma de controle social, cujas engrenagens opacas girem longe dos olhos dos cidadãos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom  Dia Sorocaba de 11/07/2011)

segunda-feira, 4 de julho de 2011

Fundamentalismo tucano

Por João José de Oliveira Negrão

Historicamente, a social-democracia tem sua fundação no final do século 19, quando o Congresso de Gotha funda o partido social democrata alemão. De inspiração marxista, a corrente política, inegavelmente, é filha do Iluminismo que funda a modernidade, ao se opor às explicações mágicas do mundo e afirmar que, através do método correto, o homem pode chegar ao conhecimento da realidade que o cerca, tanto no universo físico quanto social. A modernidade – e por consequência a social-democracia --, portanto, tensiona a cosmovisão anterior, da Idade Média, cujas explicações se baseavam na vontade insondável de Deus. É na modernidade ocidental, também, que vão ganhar corpo e ideia e a prática republicana da marcada distinção entre Estado e Igreja, o chamado laicismo.


Neste nosso século 21, no entanto, os pretensos representantes brasileiros da social-democracia (pretensão altamente questionável do ponto de vista histórico, político e sociológico) parece que querem jogar fora o laicismo. Há cerca de três anos, a deputada estadual da legenda, a sorocabana Maria Lúcia Amary, apresentou um projeto, Deus na escola, que estabelecia o ensino religioso na rede pública estadual. Em boa hora vetado pelo ex-governador José Serra, o projeto – de acordo com intenção manifestada por Maria Lúcia – pode voltar à baila.


Agora, outro tucano, o também deputado estadual Orlando Morando, apresentou projeto de lei (PL 256/11) que obriga a instalação de crucifixos em estabelecimentos de ensino paulistas. Na justificativa, Morando afirma não pretender se “contrapor ao estado laico, mas pensamos sim em manter vivo o símbolo de fé daqueles que habitam o nosso querido Estado de São Paulo”. Apesar da declaração, é evidente a imposição de uma religião sobre as outras e aos cidadãos não crentes.


Mais adiante, Morando afirma que “nossos antepassados nos legaram ensinamentos que devem ser preservados. O jargão 'Deus, Pátria e Família' sintetiza o cerne dos valores que a humanidade deve cultuar de forma permanente, independente de credo ou religião”. O lema lembra imediatamente os brados fascistas, entre outros, da TFP, do franquismo e do pinochetismo.


De filha da modernidade, nossa “social-democracia” caminha célere para a representante do atraso.


João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 04/07/2011)