quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Números que impressionam


João José de Oliveira Negrão

Os dados e as comparações são impactantes: se fosse um país, a classe C brasileira, com 108 milhões de pessoas, seria a 12ª nação do mundo em população, equivalente à Alemanha inteira ou duas vezes a Austrália. No consumo comparado, a classe de renda que mais cresce no Brasil estaria em 18º lugar, com um gasto calculado, em 2013, de 1,17 trilhão de reais. Os números são da pesquisa realizada pelo instituto Data Popular em parceria com a Serasa Experian. De acordo com o levantamento, sozinha, a classe C, que compreende os brasileiros que têm renda individual entre 320 reais e 1.120 reais por mês, consome mais que a Holanda ou a Suíça inteiras.

Além do que já foi consumido em 2013, o levantamento também traçou o que a classe C pretende comprar neste ano de 2014. Em primeiro lugar, estão as viagens nacionais, seguida de aparelhos de TV, geladeiras e tablets. Mas algo muito importante está acontecendo: os investimentos em educação também aparecem entre os itens que deverão consumir boa parte desta renda.

Em outra pesquisa, o Data Popular já tinha identificado que a Geração C, como foi apelidada a juventude da classe C brasileira, está estudando mais que seus pais: 71% dos jovens desta classe estudaram mais que os seus pais. E os próprios jovens (85% deles) acreditam que o diploma universitário pode ajudá-los a melhorar de vida, além da influência dos pais, que não querem que seus filhos estejam no subemprego. Isso fez com que hoje, 60% dos estudantes universitários no Brasil sejam da classe C.

Os números mostram que, mais do que o consumo excessivo ou desenfreado – como quer fazer crer um certo discurso conservador, como se aos mais pobres fosse vedado o direito de consumir – os integrantes da classe C do Brasil sabem usar muito bem os benefícios que o crescimento econômico aliado a políticas de distribuição de renda tem trazido.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor universitário

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 26/2/2014) 


quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Greve cheia de razão


João José de Oliveira Negrão

Desde segunda-feira passada, dezenas de unidades das etecs e fatecs – ligadas ao Centro Paula Souza, da Secretaria Estadual do Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação – estão com seus professores e funcionários paralisados. É isso mesmo: o estado de São Paulo tem duas estruturas de Educação, ligadas a secretarias diferentes. A reivindicação central dos trabalhadores é simples: que o governo Alckmin cumpra o acordo que fez com os representantes da categoria, liderados pelo Sinteps (Sindicato dos Trabalhadores do Centro Paula Souza).

Por ser casado com uma professora de etecs, acompanhei de perto o desenrolar da negociação. Ao longo do ano passado, várias reuniões entre os representantes sindicais, a direção do Centro e membros do governo estadual foram feitas. As negociações se sucederam, os trabalhadores adequaram suas reivindicações – com aprovações de assembleias – e finalmente “bateu-se o martelo”: um novo plano de carreiras foi estabelecido, com a anuência do sindicato e do governo estadual.

No entanto, descumprindo a palavra de seus representantes, o governo Alckmin achou por bem dar um passa-moleque nos trabalhadores e não deu prosseguimento à implantação do plano de carreiras acordado. Sem alternativa – e sentindo-se, com razão, profundamente desrespeitados – professores e funcionários decidiram paralisar seus trabalhos, para exigir que o governo cumpra o que disse que faria. Além disso, reclamam da falta de pessoal e de infraestrutura necessária para não deixar cair o nível do ensino oferecido aos milhares de estudantes das etecs e fatecs. Não pode haver motivo mais justo para uma greve do que a luta pela dignidade do trabalhador. E ela merece o apoio de toda a sociedade

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor universitário

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 19/02/2014)

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Morreu um trabalhador


João José de Oliveira Negrão

Dias atrás, colegas que foram da faculdade de Jornalismo criaram um grupo e alguém postou uma foto de 1979, quando fomos, em passeata, da Cásper Líbero – que fica na Avenida Paulista – até a igreja da Consolação. Íamos participar de um protesto, pois a polícia da ditadura tinha matado um trabalhador, o operário metalúrgico Santo Dias. E nós, jovens estudantes que lutávamos pela democracia, não podíamos aceitar que greve fosse tratada a bala. Morreu um trabalhador.

Muito tempo se passou, inegavelmente conquistamos a democracia. Tivemos seis eleições presidenciais, nas quais quem ganhou assumiu sem problemas nem tentativas de melar o jogo. As manifestações, como ocorre em qualquer sociedade democrática, passaram a fazer parte integrante da vida social.

Daí, em 2014, presidenta eleita, governador eleito, Congresso escolhido pelo povo, temos novas manifestações. E desta vez, não foi a polícia da ditadura, mas integrantes dos próprios grupos de manifestantes. E o assassinado foi o repórter-cinematográfico Santiago Andrade. É verdade que não se pode criminalizar os movimentos. Mas também não dá para aceitar que foi simples acidente de percurso. Há quem queira que as passeatas descambem para a violência gratuita e sabemos todos nós, com alguma experiência em movimentos sociais, exatamente a quem ela interessa, independente da “intenção” de quem a pratica. E não é ao aprofundamento da democracia, mas, ao contrário, serve bem para os setores que querem o retrocesso, a volta do autoritarismo. Assassinato é assassinato e tem de ser punido. Morreu um trabalhador.

João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor universitário

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 12/02/2014)

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Mundo mais desigual


João José de Oliveira Negrão

No último dia 29 de janeiro, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento lançou relatório que mostra as tendências de crescimento econômico e concentração de riquezas no mundo. A situação é preocupante: nas duas últimas décadas, apesar de uma economia crescente, a desigualdade aumentou em cerca de 11% nos países em desenvolvimento. Um dado sintetiza isso: 1% dos mais ricos do planeta detém a posse de cerca de 40% dos bens globais. Enquanto que a metade mais pobre não chega a 1% da riqueza total acumulada.

Neste cenário, felizmente, o Brasil é um dos países que foi na contramão. Aqui houve redução da desigualdade. O Índice de Gini saiu de 0,542 e chegou, em 2010, a 0,459. Por este índice, quanto mais próximo de zero, maior é a igualdade; quanto mais perto de 1, maior a desigualdade. Outro dado que confirma esta tendência brasileira é a participação dos salários no PIB. Em 2003, era de 46,26%; em 2009, chegou a 51,40%.

De acordo com o relatório, a principal causa da redução das desigualdades (ainda grandes) no Brasil foi a política de elevação do salário mínimo. Entre 2003 e 2010 ele teve um aumento real (descontada a inflação) de 80%, o que teve um peso na redução da desigualdade de renda que foi o dobro do verificado com os programas de transferência de renda, como o Bolsa Família. O documento ainda destaca como fator positivo a questão política, com a criação de espaços que permitem maior participação da sociedade civil.
Já as chamadas políticas de ajuste, centradas na estabilidade de preços, em vez de puxar para o primeiro plano o crescimento e a criação de empregos, seriam piores, do ponto de vista da redução das desigualdades, segundo os analistas da ONU.


João José de Oliveira Negrão é jornalista, doutor em Ciências Sociais e professor universitário

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 06/02/2014)