segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Limites do jornalismo

Por João José de Oliveira Negrão

Há limites na busca pela informação? Terão, os jornalistas – como os xerifes dos filmes de faroeste – o direito de atirar primeiro e perguntar depois? Ou serão os jornalistas, como o agente 007, autorizados a “matar”? Quais são os impedimentos, não apenas éticos, mas legais, à ação de jornalistas e veículos de comunicação?

Estas perguntas – que nunca saem de moda entre aqueles preocupados com um jornalismo decente – voltaram a martelar neste final de semana, depois que se revelou que a revista Veja (sempre ela), por meio do repórter Gustavo Ribeiro, tentou invadir um quarto que o ex-ministro José Dirceu ocupa num hotel de Brasília. Primeiro, dizendo-se ocupante do quarto e ter perdido as chaves, Ribeiro tentou convencer a camareira a lhe abrir a porta. Com a recusa, voltou ao hotel mais tarde e, passando-se por um representante a prefeitura de Varginha, tentou novamente ter acesso ao quarto, sempre sem a presença de Dirceu. O hotel registrou a tentativa de violação de domicílio em boletim de ocorrência no 5º Distrito Policial.

A resposta deve ser clara: jornalistas não têm a liberdade de cometer crimes. O recente caso do tabloide inglês News of the World comprova isto: após denúncias comprovadas de que o jornal grampeava celulares de políticos e celebridades, o magnata Rupert Murdoch teve de fechar as portas da publicação.

A editora Abril, empresa que publica a Veja, acaba de contratar, com plenos poderes, o ex-presidente dos bancos Real e Santander, Fábio Barbosa. A dúvida que fica é se, depois de mais de uma década a jogar qualquer resquício de credibilidade e de seriedade pelo ralo, a Veja ainda tem salvação? Acho difícil, pois o título está contaminado.

PS

A assessoria de imprensa da Natura mandou carta ao editor deste Bom Dia, na qual contesta meu artigo Precarização agressiva, que cita pesquisa de doutorado feita na Unicamp, sobre a ausência de relações trabalhistas claras entre as “consultoras” da Natura. Segundo a nota “não é correto afirmar que a Natura mantém precárias relações de trabalho com as consultoras. A relação estabelecida entre as empresas de venda direta e os revendedores é comercial, e não trabalhista. Ou seja, os revendedores compram os produtos da empresa e são livres para revendê-los a sua maneira”. A resposta se prende ao formalismo. As responsáveis fundamentais pela circulação dos produtos Natura e, portanto, pela cristalização dos lucros, são as consultoras, uma vez que a empresa não tem lojas próprias. E elas ficam ao deus-dará, sem proteção jurídica.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 29/08/2011)

terça-feira, 23 de agosto de 2011

Precarização agressiva

Por João José de Oliveira Negrão

A semana que passou foi abalada por duas questões importantes relativas ao mundo do trabalho: a denúncia de escravidão em oficinas têxteis fornecedoras da grife Zara e um estudo, feito na Unicamp, sobre a ausência de relações trabalhistas claras entre as “consultoras” da Natura.

No primeiro caso, uma investigação da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) encontrou 15 pessoas, entre as quais um adolescente de apenas 14 anos, em condições degradantes, em duas oficinas, uma na zona norte e outra no centro da capital paulista. O flagrante conclui inspeção iniciada a partir de uma outra fiscalização realizada em Americana (SP), no interior. Na ocasião, 52 trabalhadores foram encontrados em condições degradantes; parte do grupo também costurava calças da Zara.

A marca Zara, do grupo espanhol Inditex, é uma das mais caras e mais sofisticadas do mundo.

Quanto à Natura, a pesquisa "Make up do trabalho: uma empresa e um milhão de revendedoras de cosméticos", para o doutoramento da socióloga Ludmila Costhek Abílio pela Unicamp, mostra que a empresa é um exemplo da exploração do trabalho. Ao mesmo tempo em que transmite a imagem de companhia moderna e comprometida com a preservação ambiental, explora o trabalho informal de aproximadamente 1 milhão de revendedoras, contingente equivalente à população de Campinas (SP), que se expõe a riscos inclusive financeiros numa atividade que raramente é reconhecida pela sociedade como um trabalho.

A pesquisa da Unicamp aborda aspectos relacionados à informalização e precarização do trabalho dentro de um segmento denominado Sistema de Vendas Diretas. A Natura foi escolhida por se tratar de uma empresa brasileira multinacional líder de mercado e de reconhecido sucesso comercial. A marca está presente em sete países da América Latina e também na França.

A precarização das relações do trabalho, que não se restringe aos casos mencionados, é uma das piores heranças – ao lado da crise que abala novamente o mundo – da financeirização da economia mundial e da hegemonia neoliberal que marcou o mundo nas últimas quatro décadas. E precisa ser superada.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 22/08/11)

terça-feira, 16 de agosto de 2011

Pelo Estado laico

Por João José de Oliveira Negrão

No próximo dia 21 de agosto, domingo, a partir das 14h, na Avenida Paulista (metrô Consolação), acontece em São Paulo a Marcha pelo Estado Laico. Os manifestantes vão cobrar que se mantenha uma distinção essencial da democracia republicana contemporânea: a separação entre Estado e Igreja. Mas quando se fala em estado laico, muitas vezes se confunde – de maneira deliberada por alguns – a laicidade com um estado ateu ou antirreligioso. Mas a história mostra exatamente o contrário: a liberdade religiosa e de culto só é plenamente garantida quando não há religião oficial.

No verbete “laicismo” do Dicionário de Política organizado por Norberto Bobbio – que tem edição brasileira publicada pela editora da Universidade de Brasília – lemos que “estado leigo [ou laico] significa o contrário de estado confessional, isto é, daquele Estado que assume, como sua, uma determinada religião e privilegia seus fiéis em relação aos crentes de outras religiões e aos não crentes. É a esta noção de Estado leigo [ou laico] que fazem referência as correntes políticas que defendem a autonomia das instituições públicas e da sociedade civil de toda diretriz emanada do magistério eclesiástico e de toda interferência exercida por organizações confessionais; o regime de separação jurídica entre o Estado e a Igreja; a garantia da liberdade dos cidadãos perante ambos os poderes”.

A laicidade do estado brasileiro, formalmente garantida pela Constituição, sofre pequenos ataques – sempre com as 'melhores intenções' de seus autores – de maneira cotidiana. Ora é a ideia do ensino religioso nas escolas públicas; em outro momento, como aqui em Sorocaba, liberando as igrejas do pagamento de taxas devidas por todas as pessoas físicas e jurídicas. Ou ainda com governadores querendo obrigar o ensino do criacionismo como alternativa 'científica'. A última campanha presidencial deu mostras de como o fundamentalismo religioso – explorado por oportunistas – pode interferir de maneira perniciosa na livre e racional escolha dos cidadãos.

Assim, vem em boa hora esta Marcha pelo Estado Laico. Religiosos esclarecidos, crentes de todas as manifestações religiosas, agnósticos e ateus devem se unir para garantir a democracia e a liberdade, a tão duras penas conquistadas por brasileiros dignos, seguidores de todas as religiões ou de nenhuma delas.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 15/08/2011)

terça-feira, 9 de agosto de 2011

Princípios e realidade

Por João José de Oliveira Negrão

As Organizações Globo, depois de quase um século de existência – o jornal carioca O Globo foi fundado em 1925 – divulgou o documento “Princípios editoriais das Organizações Globo”, que já pode ser encontrado no G1, site do grupo, e foi notícia no Jornal Nacional de sábado.

Genericamente, o documento defende a pluralidade e a laicidade; entre outros tópicos caros à tradição jornalística. A questão é outra: há um sem número de exemplos que mostram que nem sempre – especialmente quando seus interesses correm algum risco – a Globo tem uma prática condizente com aqueles princípios.

Os exemplos são muitos e vem já da formação do conglomerado. O antigo programa jornalístico Amaral Neto Repórter era uma ode à ditadura militar. Em 1982, quando da eleição de Brizola ao governo do Rio de Janeiro, a Globo se envolveu no caso Proconsult, uma tentativa de golpe para melar o resultado das eleições. Em 89, a famosa edição tendenciosa do último debate entre Collor e Lula. Em 94, o mesmo Brizola conseguiu na Justiça um feito histórico: um direito de resposta lido no ar por Cid Moreira.

Agora, conforme denúncia do repórter Rodrigo Vianna, no blog Escrevinhador, a Globo decidiu ir para cima do Ministro da Defesa, Celso Amorim, recém nomeado. “A orientação é muito clara: os pauteiros devem buscar entrevistados – para o JN, Jornal da Globo e Bom dia Brasil – que comprovem a tese de que a escolha de Celso Amorim vai gerar 'turbulência' no meio militar. Os repórteres já recebem a pauta assim, direcionada: o texto final das reportagens deve seguir essa linha. Não há escolha. Trata-se do velho jornalismo praticado na gestão de Ali Kamel: as 'reportagens' devem comprovar as teses que partem da direção”, afirma Vianna, ele mesmo demitido da Globo junto com Luiz Carlos Azenha por se recusarem a aderir a um abaixo-assinado escrito pela direção da emissora, para “defender” a cobertura eleitoral feita pela Globo.

Os “Princípios” são um bom documento, embora tenham algumas poucas afirmações discutíveis dentro das teorias do jornalismo, e servem de referência para veículos, jornalistas e estudantes de jornalismo. Mas precisam ser seguidos.

João José de Oliveira Negrão é jornalista,
doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 08/08/2011)

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Jornada de trabalho

Por João José de Oliveira Negrão

Parece claro que o processo de automação, de avanço tecnológico e de gestão científica da produção são inevitáveis, embora o ritmo de sua implantação varie de um setor para o outro da economia e de país para país. O sociólogo italiano Angelo Dina afirma que "será indispensável, portanto, enfrentar a possível redução do trabalho socialmente necessário para produzir bens [...]. Isso é necessário para se passar da ótica de limitar os prejuízos àquela de redistribuir as vantagens da possibilidade de produzir mais e sobretudo melhor”.


O pensador André Gorz opera em sentido semelhante, ao propor como estratégia "a reivindicação de uma duração do trabalho na escala de tempo de uma vida e da distribuição por toda vida do rendimento correspondente [que] possibilita a união na luta dos trabalhadores e dos desempregados de todas as idades, do movimento operário e dos novos movimentos sociais".


Mais do que inevitável, o avanço tecnológico na produção traz embutidas possibilidades positivas no sentido de liberar o trabalho humano de atividades insalubres ou excessivamente desgastantes, além de permitir que a quantidade (medida em horas) de trabalho socialmente necessária à produção e reprodução seja cada vez menor. Devemos entender que o avanço da ciência e da técnica são conquistas da humanidade e -- embora ciência e técnica não sejam neutras -- na apropriação de seus benefícios é que se recoloca o conflito entre capital e trabalho.


Para o mundo do trabalho, importa apropriar-se destes benefícios no sentido descrito acima, permitindo aos trabalhadores maior tempo livre. Para o capital, esta apropriação se dá através da busca de mais lucros e da reprodução ampliada do capital, importando pouco se o processo exclui ou não parcelas significativas de trabalhadores. Ciência e técnica, portanto, são mais uma arena onde se desenvolve a luta de classes. Na resolução (sempre parcial) desse conflito no sentido do interesse da maioria está um ponto importante de avaliação do avanço do processo de democratização de cada país.



João José de Oliveira Negrão é jornalista,

doutor em Ciências Sociais e professor no Ceunsp

(Publicado no Bom Dia Sorocaba de 01/07/2011)